18 de janeiro de 2007

É por isso que o Brasil não vai pra frente

Hoje, quando fui à UnB, tive uma mostra cabal do por quê do Brasil ser um país "em desenvolvimento". (Aliás, fazendo um parênteses: engraçado como as palavras mudam, mas o conteúdo não. Quando eu fiz meu primeiro e segundo graus, o Brasil era um país "subdesenvolvido". Agora é um país "em desenvolvimento". Qual a diferença?) Vi, com meus próprios olhos, a ineficiência de um servidor público, o que faz com que o país realmente não vá pra frente.

Resumindo, a história é a seguinte: eu fui fazer a inscrição pro doutorado, e no departamento de História fui informado de que, como eu já tenho mestrado, poderia ser dispensado da prova de inglês, fazendo apenas a de espanhol. Mas pra isso eu precisaria ter uma declaração do instituto no qual fiz o mestrado dizendo que eu havia feito a tal prova de inglês durante o processo de seleção pro mestrado (burocracias e mais burocracias. Se eu fiz o mestrado, é óbvio que eu fiz uma prova de inglês e fui aprovado, primeiro porque em todo processo de seleção pra pós-graduação é obrigatório haver prova de língua estrangeira, e como todos sabem a língua estrangeira que predomina é o inglês, e segundo porque eu concluí o curso de mestrado. Mas deixemos isso de lado.) Então eu corri ao Instituto de Ciência Política (IPOL), lá na UnB mesmo, pra pedir a tal da declaração. Eram 16:35 h, e eu precisaria entregá-la no máximo até 17 h.

Chegando ao IPOL, dei de cara com um secretário muito gente boa que eu conhecia desde meus idos da graduação. Expliquei a situação pra ele e, na mesma hora, ele ofereceu um computador pra que eu mesmo redigisse a tal declaração e depois a repassasse para a profa. Lúcia Avelar, diretora do IPOL. Aí é que a ineficiência do servidor público surgiu.

Um outro secretário, resolveu dizer que seria melhor falar diretamente com a profa. Lúcia "pra ver se é possível tal declaração". Aí o secretário antigo, na maior ingenuidade, concorda com a idéia, e lá vai o novato falar com a profa. Pra começar que ele entra na sala dela e fecha a porta na minha cara, sem dizer nada. Tudo bem, não ligo muito pra isso, mas pra um secretário, a educação tá faltando. Aí ele volta, todo orgulhoso de ter cumprido seu papel de intermediário entre os pobres mortais que ele atende e os deuses da coordenação do curso e diz: "Sinto muito, a profa. Lúcia está muito ocupada e não pode atender ninguém". Como eu já conheço o IPOL, e como eu precisava da tal declaração, agradeci educadamente a ajuda dele, virei-me para o secretário antigo e perguntei: "Qual computador posso usar?" O secretário antigo, na mesma hora, me indicou determinado computador, e lá fui eu digitar a tal da declaração. Nisso já eram 16:45 h.

Às 16:50 h a declaração é impressa, em duas vias, linda e maravilhosa. Peço ao secretário antigo para levar para a profa. Lúcia, e ele -- na ingenuidade de novo -- pede pro novato. Aí o novato vira pra mim com uma cara de sei lá o que e diz simplesmente: "Ela não vai poder assinar, ela tá ocupada". E eu olhei pra ele como quem diz "meu filho, acorde! Preciso disso e uma assinatura não atrapalhará ninguém". O secretário antigo disse algo como "vai lá, pede pra ela, é só uma assinatura", e o novato fica sentado como um paxá, como se estivesse na casa dele. Só faltou ele andar de cuecas na secretaria do IPOL.

Enfim, tomado de alguma vontade que eu só posso deduzir como sendo a de mostrar que ele, o fodão, estava certo e eu errado, eis que se levanta o indivíduo e, mais lento que uma tartaruga amarrada a uma pedra de uma tonelada, dirige-se novamente à sala da profa. Lúcia. Desta vez, o elemento deixou a porta aberta, e eu pude ouvir (não sem uma certa satisfação interna) a profa. Lúcia dizendo "Ah, mas é o Matheus. Por que você não o mandou entrar logo na primeira vez, fazendo com que nós dois perdêssemos tempo?" Então lá vem a profa. Lúcia até a porta, toda sorriso, e me manda entrar, pedindo desculpas (na frente do novato) pela "incapacidade administrativa da secretaria". Então expliquei rapidamente o que era e pra que eu precisava da declaração, a qual ela assinou (em duas vias) com a maior presteza. Felizmente, saí do IPOL às 16:57 h, e às 17 h em ponto estava chegando no departamento de História, com o secretário com a chave na mão indo fechar a porta. Deixei a declaração por lá e, felizmente, irei fazer prova só de espanhol no dia (não que fazer prova de inglês fosse extremamente difícil -- modéstia bem à parte, não é --, mas se eu tivesse de fazer as duas teria menos tempo para a prova de espanhol).

Mas o foco principal deste texto não é o doutorado, e sim o fato de que, na minha opinião, é devido a este tipo de gente, como este novato, que o Brasil não vai pra frente. Concordo quando dizem que a burocracia estatal é gigantesca, que é um absurdo se demorar em média 150 dias para se abrir uma empresa aqui no Brasil, enquanto nos EUA o processo demora uns 10 dias, e por aí vai. Concordo que a estrutura estatal brasileira, ainda fortemente estruturada de maneira patrimonial (apesar das práticas patrimonialistas terem diminuído bastante), colaboram para gerar a ineficiência estatal que todos nós estamos acostumados a fazer. Mas o que realmente me surpreende não é isso; o que me surpreende é o fato de alguém que está ali para servir aos outros -- é um "servidor" público -- trabalha como se ele fosse o dono da bola, o que não é verdade (ele está apenas investido do poder estatal, mas ele não tem poder algum). O elemento não tem nenhum tipo de consideração pelo serviço que faz. Está ali porque precisa do salário, foi contratado por algum processo que provavelmente partiu da indicação e, uma vez dentro da máquina estatal, não presta contas a ninguém. Não faz nada. Apóia-se na muleta que é o corporativismo, trabalhando quando quer e da maneira que quer. Não se considera um servidor público; provavelmente nem sabe o que tal expressão realmente significa. Trabalha como se fosse o dono da verdade, o dono da bola, o todo-poderoso, de quem os atos alheios dependem. Parte do princípio de que, como é ele o secretário, investido do poder estatal para executar determinadas tarefas, cabe a ele decidir se a profa. Lúcia estaria ou não ocupada. Cabe a ele verificar e dar o veredito final: "Ela não pode atender, está muito ocupada com coisas importantes" (sim, ele falou exatamente assim).

Uma coisa é o indivíduo seguir regras com boa vontade e impedir o acesso de alunos à diretora de um instituto quando a diretora está realmente ocupada. Uma coisa é um professor falar pra um aluno que ele está reprovado e não dar um "jeitinho" quando o aluno pode ter 20 faltas num semestre e tem 24, 28, chegando a casos extremos de alunos com 44 faltas pedindo ao professor pra "dar um jeitinho". Outra coisa é o cara achar que pode definir quando um coordenador vai antender e quando não vai. Outra coisa é o professor conhecer o aluno, saber que o aluno tem condições de passar mas, como a média pra ser aprovado é 6,0 e o aluno tirou 5,5, o professor o reprovar. Uma coisa é você fazer as coisas de maneira a servir os outros, auxiliando-os no que for possível e, quando necessário, punindo-os também. Outra coisa é o indivíduo se colocar acima das regras, acima do bom-senso, acima da virtude de ver o que o outro precisa e dar as costas, como se não pudesse fazer nada -- quando não apenas pode como deve fazer alguma coisa.

Acredito piamente que deve haver diversos outros "servidores" públicos exatamente como este: não posso, não quero, não é possível, sinto muito... Estas devem ser as principais palavras de tais indivíduos. E é por haver indivíduos deste tipo na esfera pública (este foi apenas um exemplo que me indignou, conheço diversos outros) que o Brasil não vai pra frente. Nessas horas concordo com a iniciativa privada: nela, se o cara fizer merda, tá fora. Se maltratar o cliente, tá fora. E o que eu era além de um "cliente" pedindo por um "produto" junto ao IPOL?

A mudança, portanto, não é apenas de estrutura burocrática. Claro que isto é necessário, é fundamental. Mas se o indivíduo -- isto vale pra todos nós -- não aprender realmente a servir, a tratar o outro com humanidade, com atenção, com amor, reformas ou revoluções não irão solucionar o problema. Se a mentalidade do ser humano não mudar, não adianta nada mudar as estruturas -- elas apenas refletiram a mentalidade. É como Marx e a sua infra-estrutura e a superestrutura: se a base é ruim, o que está em cima também será. E a base do Brasil não é formada apenas por estruturas políticas, econômicas e/ou sociais: o indivíduo é a base, e se o indivíduo não souber servir -- com toda a amplitude que tal palavra possui --, nada feito. Se não houver um "imperativo moral", como diria Kant, já era!

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