6 de março de 2007

Atitude científica

Ontem, segunda, dei aula na parte da manhã e na parte da noite para alunos do curso de Sistemas de Informação. A disciplina ministrada foi "Metodologia Científica".

Na primeira aula, sempre falo sobre o que é o conhecimento e como ele é organizado. É uma pequena introdução para o desenvolvimento da disciplina, já que os alunos terão de aprender os métodos e as técnicas consideradas científicas para poder organizar o conhecimento que eles adquirirão/criarão durante o decorrer do curso. Começo sempre falando sobre filosofia, já que é ela que introduziu na humanidade algumas das características fundamentais para o que hoje chamamos de ciência.

É interessante ver as reações das pessoas quando percebem que muito do que temos hoje como "método científico" teve sua origem há uns 2.300 anos atrás. É interessante ver a cara de "susto" dos alunos quando percebem que certos conceitos surgiram lá atrás e continuam presentes, vivos, funcionais. Os alunos percebem que filosofia não é "falar besteira sobre alguma coisa" ou "falar água demais".

Mas o mais interessante de tudo não é isso. O mais interessante é ver as reações dos alunos quando eu lanço a clássica pergunta: "Prove que Deus existe". Por que faço tal pergunta? Porque é necessário separar os tipos de conhecimento existentes (teológico/religioso, filosófico, comum e científico). E já procuro, logo no início, imprimir nos alunos uma característica fundamental da atitude científica -- a impessoalidade.

Ora, como é possível ser imparcial se o indivíduo pensar com base em seus valores e crenças pessoais? Isto é impossível. Por isso, procuro sempre enfatizar o fato de que um cientista, um pesquisador -- e todos que estamos em uma instituição de ensino superior, queiramos ou não, somos cientistas e pesquisadores -- deve buscar ao máximo deixar seus valores e crenças de lado, pois tais valores e crenças não devem/podem influenciar o trabalho científico-acadêmico de maneira alguma.

Quais os valores mais arraigados em um indivíduo? São os valores teológicos. Ainda mais no Brasil, pais considerado com o maior número de católicos do mundo, por um lado, e país com uma das maiores taxas de crescimento de igrejas protestantes/evangélicas. Então, sempre procuro, logo de início, enfatizar o fato de que tais valores não podem influenciar o trabalho que os alunos vão fazer.

Em 2005, um grupo resolveu estudar o racismo no Brasil. O trabalho foi extremamente bem feito: os alunos fizeram uma pesquisa bibliográfica, entrevistaram algumas pessoas e apresentaram os resultados utilizando-se de critérios estatísticos. Apesar de algumas falhas, o trabalho, no geral, foi realmente bem feito. Mas houve um item que, a meu ver, era extremamente preocupante: ao final, o grupo afirmou algo como "o racismo não deve existir porque todos somos filhos de Deus e, perante Ele, somos todos iguais". As palavras eram outras, mas o sentido era este.

Por que isto me preocupou? Porque, para um trabalho científico, é impossível o pesquisador comprovar esta frase. Em um trabalho científico-acadêmico, devem ser feitas apenas afirmações que possam, de alguma maneira, ser comprovadas. Se há algo que é uma especulação -- seja uma especulação racional, como qual deve ser o melhor tipo de governo, ou uma especulação teológica, do tipo "o céu é azul porque Deus quer" --, este algo não deve estar presente de maneira alguma. Cientificamente, é possível fazer afirmações apenas sobre aquilo que temos como provar. Especulações, especialmente aquelas que têm como fundamento a origem divida de algo, são impensáveis em um trabalho acadêmico-científico.

É por isto que sempre lanço algumas perguntinhas bem "provocantes" para os alunos. Muitos ficam indignados, achando que sou ateu, mas ao final sempre deixo claro que meu objetivo não é abalar a fé de ninguém. Meu objetivo é bem mais simples: tentar fazer com que meus alunos tenham uma atitude verdadeiramente científica em seus trabalhos. E, cá entre nós, também me divertir um pouquinho: é um barato ver a cara de surpresa/susto dos alunos quando vejo a expressão de pânico deles ao perguntar "prove que Deus existe".


2 comentários:

Káh disse...

Realmente vc é fã de Kant e seu criticismo!

É uma pena que mesmo depois do Aufklärung (Iluminismo) as pessoas se contentam com explicações simples e ignorantes!
Será que algum dia chegaremos a época esclarecida? A época que seu amado Kant tanto se referia..
"... Uma época em que os homens atingem a sua maioridade pela capacidade não só de pensar autonomamente, mas também de não se deixarem manipular e dominar..."

Lembro-me que no semestre passado em sociologia vi esse termo da impessoalidade e se não me engano foi vc que explicou no vídeo sobre Ciência e Politica!

Ah fale aos seus alunos sobre as ideias positivistas no campo cienticifico onde as pesquisas não podem ser generalizadas e pessoais mas sim universais e impessoais! Melhor manda de volta para o 3º ano do 2º grau e rever Iluminismo!

Beijos!

Káh disse...

Ah so para constar! Tô estudando isso em antropologia juridica, mas é logico relacionado á cultura! (etnocentrismo) :)