2 de setembro de 2007

Sobre Auschwitz

Na revista Superinteressante deste mês de setembro, a reportagem de capa é sobre Auschwitz, o principal campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Achei a reportagem superinteressante (não é propaganda da revista, hehehe). Abaixo, alguns dos trechos que considero principais. É longo, mas para quem gosta de história e quer ver alguns detalhes de um período importantíssimo da história mundial, vale a pena ler.

(Original aqui)

O modelo ultimado dessa máquina de extermínio só ficou pronto com os campos construídos e operados durante a guerra na Polônia. Entre eles, o maior, localizado em Auschwitz, no sul do país. Lá, entre maio de 1940 e janeiro de 1945, cerca de 1,1 milhão de pessoas morreram. A maioria era de judeus, mas havia prisioneiros de guerra soviéticos, dissidentes políticos poloneses, ciganos e testemunhas-de-jeová.

Localizado a 30 km de um conjunto de minas com algumas das melhores jazidas de carvão da Europa, o campo de Auschwitz também chamou a atenção de um grande grupo industrial químico alemão, a IG Farben, que apresentou ao governo nazista um plano para instalar ali uma fábrica de borracha e combustíveis sintéticos. Os empresários fariam enormes investimentos na região. Em troca, pediam a garantia de mão-de-obra abundante. E barata.

Os prisioneiros trabalhavam duro, cavando fossas, fabricando tijolos, construindo prédios, abrindo estradas, colocando trilhos, carregando e descarregando trens. E, apesar do foco no trabalho – como se diria hoje em dia –, Auschwitz já demostrava outra vocação: mais da metade dos 23 000 prisioneiros enviados no primeiro ano para o campo morreu antes de completar 20 meses na prisão, abatida pela fome, exaustão e maus-tratos.

Em maio de 1941, as tropas alemãs invadiram a URSS. Em 4 semanas de combates, foram feitos 3 milhões de prisioneiros – 2 milhões morreriam antes de 9 meses na prisão. Segundo o historiador britânico Robert Gellately, autor de The Specter of Genocide (“O Espectro do Genocídio”, inédito no Brasil), a invasão da URSS alterou os rumos da guerra no leste, iniciando a guerra de aniquilação, ou vernichtungskrieg, termo utilizado por Hitler para explicar que o objetivo alemão seria destruir completamente o Estado comunista. Para os nazistas, a aniquilação dos soviéticos era justificável: primeiro por causa das crenças racistas, que viam na mistura do comunismo com o judaismo a pior raça possível – eram numerosas as comunidades judaicas na URSS. Depois, do ponto de vista prático e logístico, o desfecho das vitórias que fatalmente aconteceriam elevaria sobremaneira a quantidade de prisioneiros sob os cuidados da Alemanha, tornando-se inviável garantir sua sobrevivência.

Em 22 de maio de 1941, a comissão econômica do 3º Reich se reuniu para discutir a logística após as primeiras semanas da invasão. As atas desse encontro foram encontradas em Berlim após a guerra e permaneceram durante muito tempo secretas. Recentemente foram publicadas pelo historiador americano Richard Overy, no livro Russia’s War (“A Guerra da Rússia”, sem tradução em português). “Se quisermos avançar em território soviético, temos que reduzir o consumo de alimentos e de energia das populações locais”, diz um trecho do relatório. Mais adiante, o documento conclui: “Nada de falsa piedade. Milhões morrerão de fome”.

A entrada em cena dos prisioneiros soviéticos acelerou os planos de extermínio nos campos. Em julho de 1941, membros do Programa de Eutanásia de Adultos, o Aktion T4, visitaram Auschwitz pela primeira vez. Criado em 1937, o programa de limpeza genética dos nazistas incluía a eliminação de crianças portadoras de deficiências ou com doenças terminais e a esterilização de adultos nessas condições. “Após o início da guerra, o T4 foi levado aos territórios ocupados e a lista passou a incluir adultos que não estivessem aptos para o trabalho”, diz Gellately.

Os indesejáveis eram enviados para clínicas como a de Sonnestein e lá conduzidos a salas com falsos chuveiros, cujos canos não estavam ligados à água, mas a cilindros de monóxido de carbono. Cerca de 70 000 pacientes foram assassinados assim, entre 1939 e 1941. Naquele mês de julho, o T4 selecionou 575 prisioneiros de Auschwitz para morrer assim.

Na mesma época, em Auschwitz, Karl Fritzch, tenente da SS e vice de Rudolf Hoss no comando do campo, fazia suas próprias experiências. Segundo Hoss, foi durante uma viagem dele a Berlim, que Fritzch teria tido a idéia de usar ácido cianídrico para eliminar os prisioneiros. Na época, uma marca popular desse produto era comercializada com o nome de Zyklon B (“ciclone”, em português) e ele estava fartamente disponível em Auschwitz, onde era usado para combater as constantes infestações de piolhos e outros insetos – o veneno tinha a vantagem de ser altamente tóxico e invariavelmente letal.

Fritzch escolheu o bloco 11 para seu primeiro teste com Zyklon B. Numa noite entre o fim de agosto e o início de setembro de 1941, portas e janelas do galpão foram vedadas e os guardas da SS receberam máscaras de proteção. Cerca de 160 prisioneiros foram colocados nas celas do porão e o Zyklon, espalhado pelo local. Na manhã seguinte, muitos continuavam vivos. A dose teve de ser repetida até que todos morressem. Hoss admitiu “Essa história do gás me tranqüilizou. Sempre tive horror das execuções com pelotões de fuzilamento. Fiquei aliviado ao pensar que seríamos poupados daqueles banhos de sangue”.

Os superlotados guetos poloneses tornaram-se a primeira escala da viagem de centenas de milhares de judeus rumo aos campos de extermínio. Em janeiro de 1942, os primeiros 2 500 judeus de Lodz foram enviados para Chelmno, um pequeno campo na Polônia, dirigido por Herbert Lange, um dos líderes do Programa de Eutanásia de Adultos. Imediatamente ao chegar, os prisioneiros foram obrigados a se despir e levados até uma casa sem janelas. Atrás deles as portas foram lacradas. Um caminhão encostou junto a uma das laterais do prédio e o escapamento foi conectado a uma rede de canos que levava o monóxido de carbono para dentro da casa. Depois de algumas horas, a maioria estava morta. Aqueles que resistiram foram fuzilados.

Outros campos poloneses, como Treblinka, Sobibor e Belzec, tornaram-se genuínas fábricas de morte. Treblinka, o maior deles, ficava a 100 km de Varsóvia e lá 900 000 pessoas foram mortas. Muito menor que Auschwitz, o campo todo tinha apenas apenas uma plataforma de trens, meia dúzia de barracões e um enorme complexo de câmaras de gás, com capacidade para 2 000 pessoas ao mesmo tempo.

O comandante de Treblinka, Franz Stangl, mandou plantar flores, pintou as plataformas em tons vivos e colocou placas com os horários de chegada e partida dos trens, como se aquilo fosse uma estação de verdade. Disfarçou as câmaras de gás em salas de banho, para que os prisioneiros permanecessem calmos, sem reclamar, sem tentar fugir ou provocar confusão. A oferta do banho tinha, ainda, um objetivo muito prático (e muito cínico). Nus, os corpos depois de mortos não precisavam ser despidos, o que poupava as roupas para serem reaproveitadas. Entre os prisioneiros enviados para lá, 99% estavam mortos duas horas após desembarcar do trem.

A escalada de mortes causava outro desafio logístico: livrar-se de tantos corpos. Em Auschwitz, no início, eles eram enterrados, mas com o verão o cheiro se tornava insuportável. Em setembro de 1942, Hoss visitou o campo de Chelmno e lá conheceu um método de cremação único e muito eficiente. A um metro do fundo, instalava barras de aço transversais. Depois, despejava gasolina no buraco. Sobre as barras ele depositava os corpos intercalando-os com lenha, para que queimassem completamente. As cinzas caiam pelo vão entre as barras, liberando a grelha para que pudesse ser usada novamente. Quando elas atingissem a altura das barras de aço, bastava manejar a estrutura para cima, até que toda a vala ficasse repleta de cinzas. Humanas. Em março de 1942, embora mais de 1 milhão de judeus já estivessem mortos, cerca de 80% de todos os que morreriam durante a guerra ainda estavam vivos. Durante os 12 meses seguintes, a porcentagem se inverteria. Em maio de 1943, apenas 20% de todos os judeus que morreram no Holocausto ainda estavam vivos.

Os arquitetos alemães estavam trabalhando duro em Auschwitz na 2ª metade de 1942, na construção dos novos crematórios em Birkenau. No projeto inicial, os prédios sob o nível do solo serviriam como necrotérios, para onde os corpos seriam levados e queimados. No entanto, as plantas passaram por consecutivas alterações. O enorme porão foi dividido em salas menores e a rampa entre os porões 1 e 2, por onde desceriam os corpos, deu lugar a uma escada de degraus largos. Algo aparentemente incoerente, já que o prédio receberia mais gente morta do que viva. As portas duplas, que abririam para dentro, foram substituídas por uma porta única, abrindo para fora, com vedação reforçada e um visor. No final das alterações, o necrotério havia se transformado numa supercâmara de gás, que matava até 2 000 pessoas em uma hora e garantiria a fama do lugar.

Em meados de 1943, Auschwitz atingiu seu tamanho máximo. A estrutura se parecia com uma pequena cidade. Para os soldados da SS, a vida era boa. Havia mercearias, cantinas, cinema, clube esportivo e um teatro com programação regular. A turma promovia festas e bebedeiras. O complexo industrial montado pela IG Farben produzia de armamentos a tinta e faturava US$ 250 milhões ao ano, em valores atualizados. Os cerca de 100 000 prisioneiros ficavam divididos em 45 subcampos. Havia um só para mulheres, com 30 000 prisioneiras. Perto dali ficava o “Canadá”, uma área que recebeu esse nome porque o Canadá era tido como um país rico, próspero e, sobretudo, pacífico. Lá funcionava a triagem da bagagem dos presos: de roupas a relógios, o que pudesse ser reaproveitado era enviado para a Alemanha. Para os prisioneiros, aquele era um dos poucos serviços almejados, pois era onde se vivia melhor.

Havia também prisioneiros que trabalhavam diretamente com os alemães, como alfaiates, barbeiros e garçons. Mas o trabalho sujo sobrava para o sonderkommando (“comando especial”, em português), o grupo de prisioneiros, judeus ou não, que ajudavam os alemães na operação dos assassinatos. Cada conjunto de câmaras e crematório funcionava com 100 prisioneiros e apenas 4 alemães, aos quais cabia somente introduzir os cristais de Zyklon B. Os prisioneiros eram quem recolhia os corpos e os levava a um elevador. Outra turma os recolhia lá em cima e tratava de queimá-los nos fornos ou em grandes valas a céu aberto.

Com americanos e ingleses pelo ar e o Exército Vermelho pelo chão, o ritmo de mortes em Auschwitz caiu. Se em julho foram 10 000 execuções por dia, nos meses seguintes o número chegou a menos de 1 000. Hoss, então, resolveu eliminar o maior número de prisioneiros possível. No dia 2 de agosto, 21 000 ciganos foram ao crematório 5.



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