10 de janeiro de 2008

Voltando à ativa (I)

Em primeiro lugar, sobre o título da postagem: "voltando à ativa" porque já há alguns dias não escrevo nada aqui no blog. Como vocês verão, a ausência será totalmente justificada, mas para o leitor que não tem idéia do que está acontecendo por aqui, cabe apenas pensar -- com razão -- que "o Matheus morreu congelado na Sibéria" (alguns devem mesmo estar querendo isso).

Segundo, duas postagens com o mesmo título. Na verdade, eu ia fazer uma postagem só, mas quando comecei a escrever percebi que ela ficaria muito grande, resolvi dividi-la em duas. E como estou com preguiça de arrumar um novo título (além de ter uma certa dificuldade pra arrumar títulos pros meus textos), resolvi deixar assim mesmo que é mais fácil.

Meu sumiço se deu devido ao fato de eu estar, por 35 horas, dentro de um trem. Saí de Krasnoyarsk, no meio da Sibéria, e vim parar em Ekaterinburg, nos Montes Urais (aqueles montes que a gente aprende quando está na escola: "separam a Europa da Ásia"). Mas falarei sobre Ekaterinburg na próxima postagem. Esta aqui será só sobre a Transiberiana.

Há um porém em fazer a viagem nesta época do ano -- e este porém não é o frio, pois dentro do trem há calefação e dá pra ficar de bermuda e sem camisa, como eu fiz: o porém é que, em média, o dia fica claro às 9 h da manhã e escurece às 17 h, ou seja, perdemos algumas horas do nosso "dia normal" e, por isso, algumas coisas são impossíveis de serem vistas. A não ser, é claro, que você resolva descer do trem naquelas paradas em que o trem fica parado por mais de 5 minutos pra poder tirar foto dos lugares -- e, em consequência, durma mal e fique com o sono atrasado (como eu fiz, é claro).

Paisagens à parte, duas coisas chamam a atenção na Transiberiana: a pontualidade e a solidariedade. O trem vai fazendo várias paradas no caminho, e no trem há uma tabela com os horários em que o trem vai chegar nas estações, quanto tempo ele vai ficar e quando ele vai sair. E não é que o negócio funciona mesmo? Acostumado aos constantes atrasos no Brasil, mais uma vez vi esta tabela e achei impossível de ser cumprida. Pois o trem ia o tempo todo no tempo correto. No máximo atrasava um ou dois minutos pra chegar em uma estação, mas conseguia compensar no caminho. O tempo de permanência nas paradas foi estritamente seguido: se a parada era de 2 minutos, o trem ficava 2 minutos, não importando se quem tinha de entrar entrou ou não. Eu só me arrisquei a esticar as pernas naquelas paradas em que o trem ia ficar mais que 5 minutos -- e, mesmo assim, tentei não me afastar do meu vagão em nenhum momento. Vai que o trem vai embora e eu fico...

A segunda coisa que vale a pena mencionar é a solidariedade dos russos com seus companheiros de cabine. Viajei de segunda classe, na qual há uma cabine fechada com 4 camas, tipo dois beliches. Desta vez veio uma mulher e seu filho (surdo-mudo, tadinho do menino e de mim: como "falar" em russo com um surdo-mudo?). E lá fui eu, com minhas garrafas de água, suco, pão com manteiga e queijo e macarrão instantãneo pra poder passar a viagem. E na hora de comer, eis que a mulher monta a mesa (há uma mesinha entre as camas de baixo), enche de comida e fala pra eu esquecer a minha "comida ocidental", que ela iria dividir a comida dela comigo. Tímido do jeito que sou (é sério!), não quis aceitar, mas não houve como resistir: pão com geléia, com smetana (tipo um creme de leite que adoro), chá, um tipo de pepino que só tem aqui e que adoro, um bolo típico daqui feito de queijo que também adoro, bolachas... Enfim, um verdadeiro banquete. E em todas as refeições que fizemos no trem ela nunca me deixava comer a minha comida. Já tinha lido sobre isso (que os russos compartilham toda sua comida com seus companheiros de cabine) e, pela primeira vez, pude ver que é a realidade.

Outra coisa típica: as senhoras que ficam nas estações vendendo coisas e mais coisas. Tinha de tudo: desde comida e bebida até produtos artesanais feitos à mão. Pena que não havia nada que interessasse: a maioria dos produtos eram roupas feitas à mão para o inverno russo (e que, portanto, perdem todo o sentido de serem levadas pro Brasil pra serem usadas no nosso inverno). Só vi um artesanato típico da Sibéria em uma estação na qual o trem ia ficar só por 2 minutos... Nem deu pra comprar nada :( E tá certo que não há trens o tempo todo nas estações, mas como elas conseguem aguentar ficar o dia inteiro na estação naquele frio de matar? Incrível isto.

Mais uma coisa típica: os russos transformam o trem em sua casa. Esta mulher que dividiu a cabine comigo, por exemplo, assim que chegou trocou de roupa: tirou os casacos e as roupas de frio e colocou uma calça bem surrada, de se usar em casa, e uma camisa bem simples, além do seu chinelinho de flanela e meias rosa. Tirou a roupa do filho e o deixou de camisa sem manda e de cueca. Arrumou a mesinha como se fosse em sua casa, inclusive colocando um pequeno vaso com flores artificiais. Arrumou a cama e colocou até mesmo duas almofadinhas que ela trouxe consigo -- e que, com certeza, não seriam usadas como travesseiros, já que o trem dispõe dos mesmos. E não só ela como os demais "viventes" do trem: todo mundo com roupa de casa, xícara de casa, pantufas ou chinelos de casa, cabelo despenteado, andando pra lá e pra cá... O pior de tudo isso é aguentar o "CC" do povo, fedido que só. Também pudera! Três dias dentro de um trem sem tomar banho...

Duas curiosidades: 1) No banheiro não há um armazenamento químico ou coisas do tipo, como nos banheiros dos ônibus interestaduais no Brasil. Quando a gente aperta o pedal do vaso, o que a gente vê lá embaixo são mesmo os trilhos... 2) O trem viaja a uma velocidade média de 120 km/h entre as estações :) É, eu parei pra verificar a velocidade...

Bom, em resumo acho que é isto... Pelo menos o que me vem à mente agora. Se surgir mais alguma coisa eu escrevo depois.


Um comentário:

Bolshaia disse...

Valeu comentar a solidariedade dos russo. Minha mãe viajou à Polônia com um grupo de 50 russo e ao voltar ela estava maravilhada com tamanha solidariedade, ao ponto deles dividirem com ela o pouco que levavam para comer. Lembro desse fato que ocorreu em 1998.
Agora que luxo em?. Transiberiana!!!! Ainda farei essa viagem e acredito que nem volte para o brasil. Sim, se um dia eu voltar à Rússia eu fico por lá!
Viva a neve e o frio!