Fonte: O Estado de São Paulo
19/02/2008 10:34h -  Quando são condôminos do poder - governantes, legisladores, ministros e  secretários, dirigentes de órgãos da administração direta e indireta - os  acusados de esbórnias com recursos públicos, a opinião pública fica indignada,  mas não exatamente surpresa. O acúmulo de escândalos ao longo do tempo no fundo  habituou a sociedade a esperar o pior de todos quantos gravitam na órbita  estatal. O mensalão, estilhaçando a imagem impoluta difundida desde sempre pelo  partido que o criou, terá removido as últimas ilusões sobre a integridade dos  políticos: o que espanta o comum das pessoas são as evidências de mãos limpas  entre eles, não o seu contrário. É o que torna especialmente chocantes as  revelações de que, além dos suspeitos de costume no caso do uso abusivo dos  cartões de crédito do governo, também membros presumivelmente austeros da  comunidade acadêmi ca brasileira fizeram farra com o dinheiro  alheio.
Perto do que a imprensa vem divulgando sobre gastos espúrios na  Universidade de Brasília (UnB), denunciados pelo Ministério Público do Distrito  Federal, os "erros administrativos" que custaram o cargo à ministra da Igualdade  Racial, Matilde Ribeiro, empalidecem. Ela usou o cartão corporativo para pagar  uma compra de R$ 461 num free shop e gastou R$ 175 mil com locação de carros. A  Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), entidade de  fomento à pesquisa ligada à UnB, que recebe recursos estatais e particulares,  gastou R$ 470 mil na reforma e decoração do apartamento de propriedade da  instituição, onde residia seu reitor, Timothy Mulholland, até o vexame vir à  tona. Ele manifestamente não viu nada de mais, nem na flagrante malversação de  fundos, que deveriam promover a ciência e a tecnologia, nem nos detalhes mais  acintosos do dispêndio, como a compra de um saca-rolhas de R$ 859 e de três  lixeiras de até R$ 990 cada.
Numa carta, enrolando como todo político  apanhado com a mão na massa, Mulholland deu a entender que esses luxos,  inconcebíveis numa universidade pública que se dê ao respeito, seriam  necessários para "receber autoridades, pesquisadores e professores nacionais e  internacionais..." Depois, numa entrevista, enunciou o que poderá entrar para o  seu currículo como a Lei de Mulholland: "Não se mobilia uma casa de qualquer  maneira." A seu ilustrado juízo, decerto, um reitor tampouco pode se deslocar  num veículo qualquer. Pois ele aceitou gostosamente circular no carro de R$ 72  mil que a mesma Finatec comprou para o seu uso exclusivo, na condição de  Magnífico Reitor (tratamento que se reserva no Brasil ao principal dirigente  universitário). Por fim, assoberbado ou distraído, Mulholland só se lembrou de  devolver à UnB os R$ 3.953 recebidos em 31 de janeiro para uma viagem a Cuba  duas semanas depois de não fazê-la - e quando a imprensa já estava atrás da  história.
Na sexta-feira passada, a pedido do Ministério Público, a  desembargadora Nídia Côrrea Lima, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal,  afastou dos seus cargos os cinco diretores da Finatec, todos professores da UnB,  até o esclarecimento da gastança com os confortos do reitor. Não parece  tratar-se de um episódio isolado. Segundo o Globo, uma investigação do Tribunal  de Contas da União (TCU), iniciada em 2004, encontrou irregularidades envolvendo  a UnB e as cinco fundações, entre elas a Finatec, que lhe são vinculadas.  Recursos da universidade, por exemplo, teriam sido depositados em contas  bancárias das fundações, com o aparente propósito de burlar a fiscalização dos  seus gastos. De seu lado, o Ministério Público acusa especificamente a Finatec,  entre outras coisas, de intermediar contratos para órgãos públicos com dispensa  de licitação.
Enquanto isso, apurou-se que, pagando com cartões  corporativos, a UnB gastou no ano passado mais R$ 69 mil com alimentos, em  supermercados e empórios finos. Só o cartão de um assessor do reitor bancou R$  24,4 mil em despesas do gênero. Mulholland assumiu em novembro de 2005. Naquele  ano, gastos semelhantes totalizaram apenas R$ 1.743.
Nenhuma universidade  federal usa tanto o cartão do governo como a UnB - bancou R$ 1,2 milhão em 2007.  Parte desse dispêndio, de outro modo, exigiria tomadas de preços ou  licitações.
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