4 de outubro de 2008

O fim do liberalismo? (III)

Última parte!

Liberalismo e regulação financeira
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José Pio Martins, economista

Na esteira dos graves problemas do sistema financeiro dos EUA, os socialistas apressaram-se em maldizer o liberalismo, profetizando a falência dessa doutrina. É uma precipitação equivocada, pois a morte da doutrina liberal já foi profetizada em outras ocasiões, e ela não aconteceu. Ocorre que entre as vantagens do liberalismo destacam-se o seu caráter não-dogmático, a sua flexibilidade em admitir as falhas de mercado e a capacidade em incorporar soluções saneadoras.

As idéias liberais floresceram nos séculos 17 e 18, quando nem sequer se imaginava que o mundo pudesse ter um sistema de intermediação de capitais e de financiamentos com a sofisticação de hoje. Seria como criticar Leonardo da Vinci por não ter incorporado, nas suas teorias científicas, os efeitos da eletricidade e da lâmpada. Estas não existiam no tempo de Da Vinci e, caso existissem, certamente teriam alterado de forma radical várias da idéias desse gênio da história.


Muita gente acredita que o liberalismo é contra qualquer forma de regulação e intervenção estatal. Em verdade, mesmo o mais renhido liberal sabe que é necessário haver regulação do sistema financeiro e fiscalização rigorosa. Vista em retrospecto, a tragédia financeira em território norte-americano é resultado de várias falhas de regulação, de fiscalização e da política de juros do Banco Central daquele país.

Os bancos dos EUA entraram numa orgia de empréstimos ruins, sobretudo aqueles para aquisição de imóveis, por culpa de uma regulamentação frouxa para a concessão desse tipo de crédito e pela manutenção, por anos a fio, de uma taxa de juros baixíssima. A taxa anual, definida pelo Federal Reserve, que é o Banco Central americano, chegou a ser menor do que a inflação e, com isso, criou um estopim incendiário para uma corrida irresponsável das pessoas por endividamento.

Aqui mesmo nesta coluna já escrevi lembrando que o ex-presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, vinha fazendo sucessivos alertas sobre o excessivo endividamento das pessoas. Talvez tenha faltado ele informar que parte da culpa era do órgão que dirigia, ao manter taxas de juros baixíssimas. Passada a primeira etapa da tragédia gerada pela inadimplência dos mutuários e pela insuficiência das garantias, que resultaram da queda dos preços dos imóveis, o que se percebeu é que os empréstimos hipotecários precisam de uma regulamentação mais dura e menos concessiva.

O mundo deverá sair dessa crise sabendo que a regulamentação dos empréstimos bancários será revista, no sentido de ser mais exigente e de evitar a repetição de operações ruinosas, e que a fiscalização das instituições financeiras terá que ser mais rigorosa. Talvez volte a idéia de obrigar o sistema financeiro a formar um Fundo de Seguro Sistêmico, para o qual os bancos contribuiriam com parte dos seus resultados. Esse fundo manteria os depósitos aplicados apenas em títulos do governo americano, cuja finalidade seria servir de suporte para crises de liquidez bancária.

Um esclarecimento deve ser feito quanto ao tipo de ajuda que o Tesouro dos EUA deu para os bancos. Não houve doação de dinheiro público. O governo se tornará credor das dívidas dos inadimplentes e deverá implantar programas de refinanciamento, de cobrança e de execução. Os devedores, sejam empresas ou pessoas, não ficarão livres da obrigação de pagar seus financiamentos, sobretudo a multidão de devedores do sistema hipotecário, que tem seus imóveis em garantia das dívidas. Ou seja, o governo irá receber de volta, ao longo do tempo, todo, ou quase todo, o dinheiro que injetou para salvar o sistema neste momento.

Prof. Economista José Pio Martins
Vice-Reitor
Universidade Positivo
pio@up.edu.br
41-3317-3010

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