6 de fevereiro de 2007

A filosofia está no nosso dia-a-dia

Hoje ouvi na faculdade um ex-aluno meu reclamando da aula de Filosofia Geral e Jurídica. O indivíduo, no intervalo, passou por mim resmungando algo como “não sei para quê estou estudando filosofia. Não tenho interesse algum em aprender nada, e sim obter apenas o diploma.”

Tais palavras entraram como um balde de água fria no meu entusiasmo professoral. Pra mim, só uma pessoa extremamente ignorante e com espírito de porco pode dizer que não se interessa por aprender. Não me refiro a aprender tudo, pois venhamos e convenhamos, tem certas coisas que são um saco mesmo e não dá a mínima vontade de aprendê-las. Mas este aluno falou bem claro: não tenho interesse algum em aprender nada. Como alguém pode não querer aprender nada? Mais ainda, como pode alguém não entender o verdadeiro sentido da filosofia?

Há alguns dias atrás discorri aqui sobre o fato de que as pessoas são desestimuladas a estudar a filosofia e os filósofos devido à linguagem rebuscada usada por livros e “intérpretes” dos grandes filósofos. Tento aqui deixar mais uma contribuição sobre o assunto, e espero que aqueles que leiam meu blog possam ter, por mínimo que seja, um interesse genuíno sobre a filosofia. Espero que aqueles que leiam estas linhas percebam que, a todo momento, estamos em contato com a filosofia na prática.

A palavra “filosofia” traz à mente a idéia de algo inútil, de perda de tempo. No entanto, o que significa filosofia? É a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.

A primeira característica da atitude filosófica é a negação: negar pré-conceitos, pré-juízos, valores, negar “o que todo mundo pensa”; essa é a chamada atitude crítica. A segunda característica da atitude filosófica é a positivação: perguntar positivamente o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É uma interrogação do por quê disso tudo e de nós mesmos: “Por que é assim e não de outra maneira?”, e forma o chamado pensamento crítico.

Para que serve a filosofia? O senso comum afirma que a filosofia “não serve pra nada”, pois não se relaciona com a ciência e a técnica. No entanto, todo cientista sabe que seu trabalho depende fundamentalmente da filosofia, já que é esta que irá perguntar o por quê das coisas serem assim e não de outra forma, incentivando o “gênio criativo” do cientista e corrigindo e aumentando os conhecimentos existentes tendo como base as chamadas “perguntas filosóficas” – o que, por que e como. A filosofia é o pensamento interrogando-se a si mesmo, e trabalha por meio da reflexão. A reflexão filosófica é radical porque é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para indagar como é possível o próprio pensamento. E, claro, a reflexão filosófica também se volta para as relações que mantemos com a realidade circundante.

Aprendestes que a filosofia é a possibilidade [de se fazer algo na prática]. Porque se refletir sobre o mundo fosse tentar entender como ele é, mas para não poder transformá-lo, diria então que a filosofia é uma espécie de sadismo intelectual. Se a filosofia for para fazermos exegeses de textos apenas, aprenderíamos só uma técnica filosófica, mas não toda a filosofia. A filosofia é tomar partido, no mais alto sentido político da palavra filosofia, que começou com Sócrates e paradoxalmente também com Platão. Deixai os louvores com os homens da ordem, com os conservadores, com os religiosos que gostam mais da letra de suas páginas sagradas do que de seus irmãos, ou então com os juristas que gostam mais das leis do que do justo. Sabeis que refletir sobre o direito é ver a injustiça, e ver a injustiça é procurar a justiça (MASCARO, Alysson. Filosofia do direito e filosofia política: a justiça é possível. São Paulo: Atlas, 2003. Pág. 20).

Portanto, em praticamente todos os momentos estamos filosofando, e no sentido acadêmico da palavra (não no sentido de estarmos falando abobrinhas). Quando perguntamos “por quê?” em relação a qualquer assunto, estamos questionando a situação atual, o status quo, e estamos buscando informações que não temos. Estamos, portanto, sendo “amigos do saber”, tradução literal da palavra filósofo. Ao perguntarmos “por que será que aqui em Taguatinga está chovendo sem parar desde a última sexta-feira?”, estamos filosofando. Ao perguntarmos “será que amanhã fará sol?” estamos filosofando. Ao perguntarmos a um(a) namorado(a) "Por que você me traiu?" estamos filosofando. Ao perguntarmos qualquer coisa, estamos filosofando. Ao buscarmos novas informações, estamos filosofando.

O problema maior, a meu ver, é fazer com que os filósofos acadêmicos percam sua postura de “quase-deuses” e passem a escrever de uma maneira acessível. O saco é agüentar o academicismo, que exige uma pomposidade na retórica que vai além dos limites pedagógicos e impede o bom entendimento do conteúdo. Mas este tema é um sobre o qual já me detive um pouco, anteriormente, e que, devido ao avançado da hora (são 23:50 h), deixarei para amanhã ou depois.

Para terminar: para aqueles que queiram ter contato com a história da filosofia, ainda que de maneira superficial, recomendo o livro O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Ainda que superficial, por dar apenas apontamentos gerais sobre vários filósofos, o livro é fácil de ler e pode dar uma boa base para aqueles que terão a disciplina “Filosofia Geral e Jurídica” no curso de Direito. Aquele meu ex-aluno que reclamou da disciplina, sem dúvida alguma, teria outra visão da filosofia e do conhecimento de maneira geral se lesse tal livro -- coisa que, é claro, irei sugerir para que ele faça o mais rápido possível.


Um comentário:

Anônimo disse...

Meu queridissimo Doutor Matheus Passos!

Venho por meio deste singelo comentário parabeniza-lo por esta postagem que mais uma vez esta sendo de grande ajuda no meu desenvolvimento intelectual, uma vez que, estou tendo novamente aulas de filosofia, mas desta vez em um sentido mais específico pois no ensino médio as aulas eram mais amplas.
Sobre esse seu aluno apenas posso lamentar porque ele esta se igualando a muitos outros que existem por ai, ou seja, ele é apenas mais um gastando dinheiro e tempo, perdendo um tempo precioso pois essas matérias propedeuticas são de extrema importancia para o entendimento das demais (Filosofia, ID, metodologia, ciência política e etc). Mas é como dizem "Tudo que começa errado termina errado."
Em relação ao livro "Mundo se Sofia" é uma bela indicação, lembro-me que quando cursava o meu primeiro semestre eu o li e quem o indicou foi simplesmente você e o adorei pois é um livro de imaginação, ficção, suspense, romance, doidura e etc.
Continue postando, apesar de ter algus individuos cabeças de vento, existem pessoas assim como eu que encontram prazer no conhecimento e quanto mais melhor!

Beijos e sucesso