9 de fevereiro de 2007

A semana do dólar

Dia 05/02 - US$ 1 = R$ 2,10
Dia 06/02 - US$ 1 = R$ 2,08
Dia 07/02 - US$ 1 = R$ 2,09
Dia 08/02 - US$ 1 = R$ 2,09
Dia 09/02 - US$ 1 = R$ 2,10

Esta foi a "semana do dólar". Em todos os jornais, todos os dias, a mesma ladainha: setores do governo e do PT reclamando que o dólar está muito baixo e que os juros estão muito altos. Tal situação, teoricamente, traz prejuízos para o Brasil: argumentam tais setores que, com juros altos, vêm ao Brasil apenas especuladores, que não têm compromisso com o futuro da economia brasileira (querem lucros altos em pouco tempo) e, com dólar baixo, os exportadores perdem, pois ao venderem no exterior, receberão menos em reais. Argumentam ainda que tal política econômica faz o Brasil perder mercados para a China, pois o produto brasileiro tornar-se-ia mais caro no exterior. A solução, segundo tais pessoas, é baixar drasticamente as taxas de juros, de uma só vez (ou, pelo menos, com cortes maiores por parte do Copom) e a rápida desvalorização do real frente ao dólar. Além disso, tais grupos defendem uma redução do superávit primário, de 4,25% do PIB para 3,75% do PIB, fazendo com que o governo gaste mais na forma de investimentos. Só assim, segundo "eles", tem o Brasil condições de voltar a crescer.

Ora, esta é uma grande falácia. Já comentei aqui o fato de que o Brasil tem realmente condições de crescer mais do que a taxa atual, mas que essa idéia de "crescer a 5% ou mais ao ano a qualquer custo" é totalmente inviável, até mesmo devido à estrutura industrial brasileira -- que já é relativamente consolidada se comparada com a estrutura da Rússia, da China e da Índia (países com os quais o Brasil é frequentemente comparado). E não vai ser desvalorizando o real ou diminuindo a taxa de juros, e nem mesmo com o governo investindo mais, que o país crescerá mais.

Se o governo diminui as taxas de juros e/ou desvaloriza o real, aposto que a inflação ressurge. É muito simples, especialmente em relação à taxa de juros. Se os juros estão baixos, todo mundo quer comprar. Se há uma forte demanda, o que o vendedor vai fazer? O brasileiro tem a idéia de que é melhor ganhar muito em apenas um produto, vendendo pouco do mesmo, do que ganhar um pouco em cada produto vendido, mas vendendo muito (o que, a longo prazo, é mais vantajoso). Então, é óbvio que, se o brasileiro passa a ter menores taxas de juros, vai querer comprar mais -- e o vendedor, é óbvio, vai aumentar o preço. Voilà! Bem-vinda novamente, inflação!

Eu não sou tão velho assim, mas eu vivi no tempo da inflação descontrolada. Eu vivi no tempo em que as coisas aumentavam 2% -- ao dia! Eu vivi no tempo em que tínhamos inflação, em um dia, equivalente ao que temos hoje em 8 meses. Eu me lembro bem de que, quando criança, queria comprar um fusquinha preto de metal. Um carrinho. Havia uma banca de jornal em frente à minha escola, e lá estava o meu "sonho de consumo". Eu ganhava uma semanada, e sempre juntava o dinheiro pra comprar o fusquinha. E toda segunda-feira, quando eu chegava na banca com o dinheiro certinho, contadinho, juntado durante a semana anterior, a dona da banca me dizia "desculpe, mas o preço aumentou" (depois de 2 meses e meio querendo comprar o carrinho, ela me vendeu pelo preço da semana anterior, sem aumentar o valor pra mim. Acho que ficou com pena de mim). Lembro-me de que meus pais recebiam no início do mês e ficávamos um dia inteiro no Carrefour Norte fazendo as compras do mês: não podíamos comprar durante a semana porque o preço aumentava. Lembro-me de que, quando tive uma poupança, ficava todo feliz quando via que "a poupança rendeu 40%", ou seja, meu dinheiro tinha aumentado quase a metade naquele mês! Mas aí comecei a entender um pouquinho de economia e via que meu dinheiro aumentava, na verdade, 1% (em média), já que a poupança sempre rendia esta taxa acima da inflação mensal.

Então, vamos desvalorizar o real? Vamos! Assim os exportadores continuam ficando cada vez mais ricos -- e não precisarão jogar suas batatas em um lixão. Vamos diminuir os juros? Vamos! Assim virá apenas o "investimento bonzinho", que tem consciência e que não vai querer prejudicar de forma alguma a economia brasileira. Só faço uma pergunta: alguém aqui investe em algo (seja lá no que for) sem ter a expectativa de ganhar alguma coisa? Alguém faz "investimento bonzinho"?

Pra terminar, deixo abaixo um texto escrito pelo Carlos Alberto Sardenberg, economista que sempre fala no Jornal das 10, na Globonews. Às vezes ele fala coisas que eu pessoalmente não concordo, mas no texto abaixo (disponível no blog dele, clique aqui para esta e outras notícias) ele "mandou bem".

O dólar barato é para muito tempo (06/02/2007)

Com o dólar a R$ 2,08, aumentam as pressões para que o Banco Central faça alguma coisa para impedir essa forte valorização do real. Segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, o BC “está bobeando”.

Ocorre, porém, que o BC tem pouco o que fazer além do que já faz. E no curtíssimo prazo, não há nada que possa valorizar o dólar assim de bate-pronto.

O problema é que há muito dólar entrando no país. E a maior parte das entradas é considerada benigna, digamos assim. O pessoal acha que o BC deveria conter de algum modo a entrada do tal capital especulativo, que viria para cá se aproveitar das altas taxas de juros. Mas essa é a menor parte.

Entram dólares por:

. exportações – continuam fortes e subindo. (E todo mundo acha isso muito bom)
. investimentos diretos de empresas estrangeiras em fábricas, comércio, serviços. (E todo mundo também acha bom).
. financiamentos tomados por empresas brasileiras no mercado externo para investir aqui, na economia real. (Todo mundo acha bom).
. financiamentos tomados por bancos aqui instalados para emprestar a seus clientes. (Também é coisa boa).
. dinheiro trazido por turistas. (também todo mundo quer).
. e, claro, capital financeiro que entra para se aproveitar dos juros elevados. (É a menor parte. Bloquear este cria ruído no mercado financeiro e não refresca em nada).

E se o BC comprar mais dólares e diminuir os juros mais rapidamente? Funciona, mas não muito.

Observe os seguintes dados:

. de setembro de 2005 até aqui, a taxa básica de juros caiu de 19,75% para 13%. Nesse período, a cotação do dólar caiu de R$ 2,20 para os R$ 2,08 de hoje.
. de setembro de 2005 até aqui, o BC comprou cerca de US$ 50 bilhões, levando as reservas para os US$ 92,3 bilhões de ontem.
. E o risco Brasil caiu de 372 pontos base em setembro de 2005 para os 180 pontos de hoje.

Só tem um jeito de o dólar se valorizar: é o Brasil aumentar fortemente suas importações. Ou seja, precisamos gastar dólares.

Mas aí o pessoal da indústria acha ruim.

O Brasil não é para amadores.


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