(Original aqui)
Uma das primeiras coisas que aprendi cobrindo a guerra civil do Líbano e a invasão israelense daquele país, em 1982, é o quanto palestinos podem ser diferentes entre si. Naquela época, em Beirute Ocidental, Yasser Arafat estava cercado por tropas israelenses e por milícias libanesas de diversas colorações. Quase todo dia, acompanhado por guarda-costas e alguns assessores, ele se encontrava com os repórteres estrangeiros -exibindo aquele sorriso esquisito que carregou consigo enquanto, por mais duas décadas, arrastou boa parte do movimento palestino para um beco sem saída.
Perto da área na qual Arafat se escondia estavam os escritórios de outros agrupamentos palestinos. Um deles, notório por atentados terroristas (que parecem amadores, comparados ao que acontece hoje), era ligado a países do leste europeu. Um outro, comandado por um médico, era marxista cristão. A própria Fatah, dirigida por Arafat, se dividia entre comandantes ligados aos países do norte da África, os que recebiam ordens de Bagdá e os mais “internacionais”, com livre trânsito em Moscou, por exemplo.
Poucas semanas depois de terem sido expulsos de Beirute Ocidental, os diversos grupos armados palestinos engajaram-se numa luta fratricida que deixou centenas de mortos no porto de Tripoli, no Norte do Líbano. Era difícil para correspondentes internacionais entender todas as nuances e as intrincadas rivalidades internas dos palestinos, mas era fácil reconhecer um denominador comum: os diversos grupos envolvidos na peculiar mini-guerra civil eram todos seculares. Não havia entre eles divisões fundamentais quanto aos objetivos de longo prazo.
A guerra civil palestina à qual assistimos agora é completamente diferente. Ela é o resultado, conforme assinalou Thomas Friedman, da falência de qualquer projeto árabe secular. O “movimento palestino”, se é que se pode ainda falar de algum, foi suplantado por uma situação que teve suas origens lá também na Beirute de 1982, quando pela primeira vez se ouviu falar de militantes islâmicos lutando fora do Irã. Aliás, entende-se muito melhor hoje do que naqueles tempos o significado do assassinato do presidente egípcio Anwar al Sadat -o que parecia o gesto de loucos fundamentalistas era apenas o prenúncio de uma era.
A Fatah afundou muito antes de Arafat morrer. Lembro-me bem de seus jovens militantes, cercados em Beirute, e os mesmos homens 15 anos depois, administrando a Autoridade Nacional Palestina criada com os acordos de Oslo. Foi quando voltei a conversar longamente com Arafat, no quartel-general dele em Gaza, em 1995, para uma capa da revista “Veja” que se chamava, com toda justiça, “A Paz dos Fracos”. Estavam todos gordos e com muitos relógios de ouro, muitos guarda-costas em Mercedes reluzentes. Cheirava-se a corrupção, o desvio de dinheiro público, o arbítrio, a incompetência administrativa e a arrogância -as marcas do fim do reino de Arafat.
Gente do Fatah costumava dizer que os primeiros militantes do Hamas tinham sido manipulados de perto pelos serviços secretos israelenses, sempre interessados em semear discórdia e confusão entre os palestinos. Se isto realmente aconteceu, só pode ser comparado ao célebre trem com o qual o kaiser alemão concordou em deixar Lênin e alguns revolucionários passar pelo seu território para ir fazer a revolução na Rússia: foi um tiro que explodiu na culatra.
O Hamas não é simplesmente um fenômeno palestino. É o fenômeno de uma era, e que está apenas começando.
Os palestinos sempre foram considerados entre os árabes como os mais cosmopolitas -o “sotaque” palestino no idioma árabe é tido como o mais refinado e elegante. Espalhados pelo mundo num tipo de diáspora capaz -até agora- de se sobrepor a tendências religiosas internas (boa parte do movimento palestino era composto de cristãos), os palestinos perderam, por fim, o ar de “unidade” que os fez parecer durante muito tempo favoritos das causas que valeriam a pena serem defendidas.
A guerra civil palestina é o resultado final também do cinismo e da hipocrisia com que muitos dos países árabes disseram “defender” a causa da Palestina nas últimas duas décadas. É o resultado de uma brutal política israelense amparada em parte pelo desinteresse, em parte pela ignorância da política externa americana ao lidar com as questões centrais no conflito na Terra Sagrada. É o resultado de uma maré de intolerância incentivada por fatores que não tenho espaço para tratar na coluna de hoje, e de uma agenda política totalmente dominada por radicais em todos os campos, incluindo Israel.
Nesse sentido, a tragédia palestina é a tragédia de todos nós.
Uma das primeiras coisas que aprendi cobrindo a guerra civil do Líbano e a invasão israelense daquele país, em 1982, é o quanto palestinos podem ser diferentes entre si. Naquela época, em Beirute Ocidental, Yasser Arafat estava cercado por tropas israelenses e por milícias libanesas de diversas colorações. Quase todo dia, acompanhado por guarda-costas e alguns assessores, ele se encontrava com os repórteres estrangeiros -exibindo aquele sorriso esquisito que carregou consigo enquanto, por mais duas décadas, arrastou boa parte do movimento palestino para um beco sem saída.
Perto da área na qual Arafat se escondia estavam os escritórios de outros agrupamentos palestinos. Um deles, notório por atentados terroristas (que parecem amadores, comparados ao que acontece hoje), era ligado a países do leste europeu. Um outro, comandado por um médico, era marxista cristão. A própria Fatah, dirigida por Arafat, se dividia entre comandantes ligados aos países do norte da África, os que recebiam ordens de Bagdá e os mais “internacionais”, com livre trânsito em Moscou, por exemplo.
Poucas semanas depois de terem sido expulsos de Beirute Ocidental, os diversos grupos armados palestinos engajaram-se numa luta fratricida que deixou centenas de mortos no porto de Tripoli, no Norte do Líbano. Era difícil para correspondentes internacionais entender todas as nuances e as intrincadas rivalidades internas dos palestinos, mas era fácil reconhecer um denominador comum: os diversos grupos envolvidos na peculiar mini-guerra civil eram todos seculares. Não havia entre eles divisões fundamentais quanto aos objetivos de longo prazo.
A guerra civil palestina à qual assistimos agora é completamente diferente. Ela é o resultado, conforme assinalou Thomas Friedman, da falência de qualquer projeto árabe secular. O “movimento palestino”, se é que se pode ainda falar de algum, foi suplantado por uma situação que teve suas origens lá também na Beirute de 1982, quando pela primeira vez se ouviu falar de militantes islâmicos lutando fora do Irã. Aliás, entende-se muito melhor hoje do que naqueles tempos o significado do assassinato do presidente egípcio Anwar al Sadat -o que parecia o gesto de loucos fundamentalistas era apenas o prenúncio de uma era.
A Fatah afundou muito antes de Arafat morrer. Lembro-me bem de seus jovens militantes, cercados em Beirute, e os mesmos homens 15 anos depois, administrando a Autoridade Nacional Palestina criada com os acordos de Oslo. Foi quando voltei a conversar longamente com Arafat, no quartel-general dele em Gaza, em 1995, para uma capa da revista “Veja” que se chamava, com toda justiça, “A Paz dos Fracos”. Estavam todos gordos e com muitos relógios de ouro, muitos guarda-costas em Mercedes reluzentes. Cheirava-se a corrupção, o desvio de dinheiro público, o arbítrio, a incompetência administrativa e a arrogância -as marcas do fim do reino de Arafat.
Gente do Fatah costumava dizer que os primeiros militantes do Hamas tinham sido manipulados de perto pelos serviços secretos israelenses, sempre interessados em semear discórdia e confusão entre os palestinos. Se isto realmente aconteceu, só pode ser comparado ao célebre trem com o qual o kaiser alemão concordou em deixar Lênin e alguns revolucionários passar pelo seu território para ir fazer a revolução na Rússia: foi um tiro que explodiu na culatra.
O Hamas não é simplesmente um fenômeno palestino. É o fenômeno de uma era, e que está apenas começando.
Os palestinos sempre foram considerados entre os árabes como os mais cosmopolitas -o “sotaque” palestino no idioma árabe é tido como o mais refinado e elegante. Espalhados pelo mundo num tipo de diáspora capaz -até agora- de se sobrepor a tendências religiosas internas (boa parte do movimento palestino era composto de cristãos), os palestinos perderam, por fim, o ar de “unidade” que os fez parecer durante muito tempo favoritos das causas que valeriam a pena serem defendidas.
A guerra civil palestina é o resultado final também do cinismo e da hipocrisia com que muitos dos países árabes disseram “defender” a causa da Palestina nas últimas duas décadas. É o resultado de uma brutal política israelense amparada em parte pelo desinteresse, em parte pela ignorância da política externa americana ao lidar com as questões centrais no conflito na Terra Sagrada. É o resultado de uma maré de intolerância incentivada por fatores que não tenho espaço para tratar na coluna de hoje, e de uma agenda política totalmente dominada por radicais em todos os campos, incluindo Israel.
Nesse sentido, a tragédia palestina é a tragédia de todos nós.
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