9 de junho de 2007

Para reflexão

Como hoje estarei a tarde inteira fora de casa, pois vou a um churrasco dos professores do curso de Direito da Faculdade Projeção pelo reconhecimento de tal curso com nota "A" pelo MEC, deixo abaixo, para reflexão, trecho de um livro sobre filosofia e sobre filósofos que comecei a ler ontem.

"(...) [A]dquiri, ao longo dos anos, a convicção de que para todo indivíduo, inclusive para os que não a vêem como uma vocação, é valioso estudar ao menos um pouco de filosofia, nem que seja por dois motivos bem simples.

"O primeiro é que, sem ela, nada podemos compreender do mundo em que vivemos. É uma formação das mais esclarecedoras, mais ainda do que a das ciências históricas. Por quê? Simplesmente porque a quase totalidade de nossos pensamentos, de nossas convicções, e também de nossos valores, se inscreve, sem que o saibamos, nas grandes visões do mundo já elaboradas e estruturadas ao longo da história das idéias. É indispensável compreendê-las para apreender sua lógica, seu alcance e suas implicações...

"Algumas pessoas passam grande parte da vida antecipando a infelicidade, preparando-se para a catástrofe -- a perda de um emprego, um acidente, uma doença, a morte de uma pessoa próxima etc. Outras, ao contrário, vivem aparentemente na mais total despreocupação. Elas até consideram que questões desse tipo não têm espaço na existência cotidiana, que provêm do gosto pelo mórbido que beira a patologia. Sabem elas que as duas atitudes mergulham suas raízes em visões do mundo cujas circunstâncias já fora exploradas com profundidade extraordinária pelos filósofos da Antiguidade grega?

"A escolha de uma ética antes igualitária que aristocrática, de uma estética antes romântica que clássica, de uma atitude de apego ou desapego às coisas e aos seres em face da morte, a adesão a ideologias políticas autoritárias ou liberais, o amor pela natureza e pelos animais mais do que pelos homens, pelo mundo selvagem mais do que pela civilização, todas essas opções e muitas outras foram inicialmente construções metafísicas antes de se tornarem opiniões oferecidas, como num mercado, ao consumo dos cidadãos. As clivagens, os conflitos, as implicações que elas sugeriam desde a origem continuam, quer o saibamos ou não, a dirigir nossas reflexões e nossos propósitos. Estudá-los em seu melhor nível, captar-lhes as fontes profundas é se oferecer os meios de ser não apenas mais inteligente, mas também mais livre. Não consigo ver em nome de que deveríamos nos privar disso.

"Além do que se ganha em compreensão, conhecimento de si e dos outros por intermédio das grandes obras da tradição, é preciso saber que elas podem simplesmente ajudar a viver melhor e mais livremente. Como dizem, cada um a seu modo, vários pensadores contemporâneos, não se filosofa por divertimento, nem mesmo apenas para compreender o mundo e conhecer melhor a si mesmo, mas, às vezes, para 'salvar a pele'. Há na filosofia elementos para vencermos os medos que paralisam a vida, e é um erro acreditar que a psicologia poderia, nos dias de hoje, substituí-la.

"Aprender a viver, aprender a não mais temer em vão as diferentes faces da morte, ou, simplesmente, a superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das escolas da Antiguidade grega. A mensagem delas merece ser ouvida, pois, diferentemente do que acontece na história das ciências, as filosofias do passado ainda nos falam. Eis um ponto importante que por si só merece reflexão.

"Quando uma teoria científica se revela falsa, quando é refutada por outra visivelmente mais verdadeira, cai em desuso e não interessa a mais ninguém -- à exceção de alguns eruditos. As grandes respostas filosóficas dadas desde os primórdios à interrogação sobre como se aprende a viver continuam, ao contrário, presentes. Desse ponto de vista seria preferível comparar a história da filosofia com a das artes, e não com a das ciências: assim como as obras de Braque e Kandinsky não são 'mais belas' do que as de Vermeer ou Manet, as reflexões de Kant ou Nietzsche sobre o sentido ou não-sentido da vida não são superiores -- nem, aliás, inferiores -- às de Epicteto, Epicuro ou Buda. Nelas existem proposições de vida, atitudes em face da existência, que continuam a se dirigir a nós através dos séculos e que nada pode tornar obsoletas. As teorias científicas de Ptolomeu ou de Descartes estão radicalmente 'ultrapassadas' e não têm outro interesse senão histórico, ao passo que ainda podemos absorver as sabedorias antigas, assim como podemos gostar de um templo grego ou de uma caligrafia chinesa, mesmo vivendo em pleno século XXI. (...)"

Fonte: FERRY, Luc. Aprender a viver. Trad. Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. Pág. 15-17.

Obs.: O texto está copiado exatamente como está no livro, inclusive no que diz respeito aos erros.


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