3 de abril de 2009

Do medo (I)

Do Medo
Montaigne

"Tomado de estupor, fiquei de cabelos arrepiados e sem voz." (Virgílio). Não sou muito versado no estudo da natureza humana, como dizem, e ignoro de que maneira o medo atua em nós. Certo é que se trata de estranho sentimento. Nenhum, afirmam os médicos, nos projeta tão precipitadamente fora do bom-senso. E em verdade vi muita gente tornada insensata pelo medo. Mesmo entre os mais assentados, provoca ele terríveis alucinações.

Ponho de lado o homem vulgar, ao qual faz o medo que ora veja seus antepassados saírem do túmulo, envolvidos em seus sudários, ora lobisomens, gnomos, quimeras. Mesmo, porém, entre os soldados, sobre os quais o medo deveria ter menor influência, quantas vezes não transformou ele um rebanho em um esquadrão encouraçado? E caniços e bastões em policiais e lanceiros? E nossos amigos em inimigos, e a cruz vermelha em cruz branca?

Quando o Senhor de Bourbon tomou Roma, o porta-estandarte encarregado da guarda do subúrbio de São Pedro foi tomado de tal pavor ao primeiro alerta que, passando através de um buraco no muro em ruínas, saiu da cidade carregando seu estandarte e marchou ao encontro do inimigo, convencido de que se dirigia para o interior da praça forte. Vendo a gente do Senhor de Bourbon se aprestar para a batalha, voltou a si e, na crença que os defensores tentavam uma sortida, virando as costas entrou de novo pelo mesmo buraco na cidade de que se afastara 300 passos. O Porta-estandarte do capitão Júlio não se saiu tão bem quando o Conde de Bures e o Senhor Du Reu tomaram São Paulo. Desesperado de medo, lançou-se fora da cidade pela canhoneira, de estandarte na mão, e foi dar em cheio nos assaltantes, que o fizeram em pedaços. Nesse mesmo lugar verificou-se um caso extraordinário: o medo surpreendeu, agarrou, e a tal ponto paralisou um fidalgo que este caiu morto repentinamente, e sem o menor ferimento, do baluarte em que se achava. Em um encontro dos germânicos com os alemães, duas frações importantes de suas tropas, postadas em pontos diferentes, fugiram apavoradas, em direção uma da outra e acabaram por se chocar.

Ora, o medo põe asas nos nossos pés, como no caso dos porta-estandartes, ora nos prega no solo e nos imobiliza, como aconteceu com o Imperador Teófilo. Batido em uma batalha contra os agarenos, ficou tão estupefato e transido que não podia decidir-se a fugir "tanto se apavora o medo daquilo que lhe pode ajudar"(Quinto Cúrcio). E assim permaneceu até que Manuel, um de seus principais chefes, o sacudiu como para acordá-lo de um sono e lhe disse: "Se não me seguires eu vos matarei; pois é melhor que percais a vida a serdes prisioneiro e correrdes o risco de perder o império."

(Continua...)

Nenhum comentário: