27 de janeiro de 2007

Libéria

Libéria, oficialmente a República da Libéria, é um país da costa oeste da África. É limitado a norte por Serra Leoa e pela Guiné, a leste pela Costa do Marfil e a sul e a oeste pelo Oceano Atlântico. A sua capital é a cidade de Monróvia. A Libéria ("Terra Livre") foi fundada no século XIX por escravos libertos dos Estados Unidos, não tendo conhecido o domínio colonial. Recentemente, o país passou por duas guerras civis: a Primeira Guerra Civil, de 1989 a 1996, e a Segunda Guerra Civil, de 1999 a 2003. Ambas expulsaram milhares de suas casas e destruíram a economia do país (informações e imagens tiradas da Wikipédia).

  • População: 3.042.004 (est. Julho 2006)
  • Taxa de mortalidade infantil: total: 155,76 mortes/1.000 nascimentos; homens: 171,96 mortes/1.000 nascimentos; mulheres: 139,06 mortes/1.000 nascimentos (est. 2006)
  • Expectativa de vida ao nascer: população total: 39,65 anos; homens: 37,99 anos; mulheres: 41,35 anos (est. 2006)
  • Número de pessoas com AIDS: 100.000 (6% da população - est. 2003)
  • Taxa de alfabetização: definição: maiores de 15 anos que podem ler e escrever. População total: 57,5%; homens: 73,3%; mulheres: 41,6% (est. 2003)
  • PIB (Produto Interno Bruto): US$ 2,911 bilhões (est. 2006)
  • PIB per capita: US$ 1.000 (est. 2006)
  • População abaixo do nível de pobreza: 80% (est. 2005)
  • Número de estações de rádio: AM 0, FM 7 (2004)
  • Número de estações de TV: 1 (2004)
  • Principais recursos naturais: minério de ferro, madeira, diamantes, ouro, energia hidrelétrica

Como vocês podem imaginar, esta introdução demográfica tem por objetivo falar de mais um filme, chamado "O senhor das armas" (informações com spoilers aqui). Este filme foi lançado em 2005, e eu tive o prazer, à época, de vê-lo no cinema. Já vi o filme mais umas duas ou três vezes, sendo que a mais recente foi ontem, dia 26/01/2007.

Interessante notar como, recentemente, o "destino" (coisa na qual não acredito) me colocou frente a situações que envolvem, de uma maneira ou de outra, a África. Duas semanas atrás, quando ainda estava em MG, algumas coisas aconteceram neste sentido: tive contato com alguns africanos que estavam aqui visitando o Brasil, e tive de ajudá-los com traduções e indicações de lugares pra ir e coisas do tipo. Na semana passada, por duas vezes tive contato com africanos no meio da rua, que estavam também aqui em Brasília e estavam meio "perdidos", e lá fui eu auxiliá-los no que precisavam. Por fim, nesta semana que está terminando hoje, vi três filmes que têm como pano de fundo a situação política, econômica e social daquele continente.

Não irei comentar muito neste post sobre meus sentimentos em relação à África. Creio que, lendo o que escrevi sobre Ruanda e sobre Serra Leoa vocês, leitores, já poderão ter idéia do que penso sobre o assunto. Falando sobre o filme, ele mostra como um cara se torna traficante de armas e, mais que isso, deixa no ar a necessidade que os governos das "grandes potências" têm de ter "pequenos" traficantes de armas no ramo: sem tais traficantes, os governos perderiam dinheiro, pois seria politicamente incorreto vender armas pra ditadores ou pessoas do tipo. Sendo assim, o trabalho "sujo" ficaria com os traficantes de armas, mas as armas têm sua origem no próprio governo que diz combater o tráfico. Uma situação, ao que tudo indica (pelo que li sobre a criação do filme e sobre o tema), real.

O que me chamou a atenção nesta semana foi a maneira como os três filmes comentados aqui no meu blog se encaixam, especialmente os dois últimos. O filme Hotel Ruanda fala especificamente sobre o genocídio de 1994, e é claro que, pra haver genocídio, são necessárias armas e, para haver armas, é necessário dinheiro. Vale lembrar que, se não possui diamantes, Ruanda possui como recursos naturais ouro, cassiterita, tungstênio e metano, produtos que, de uma forma ou de outra, são extremamente valorizados no mercado internacional. Nas mãos de rebeldes, tais produtos fariam o papel que os diamantes faziam -- e ainda fazem -- em Serra Leoa e na Libéria. Enfim, voltando ao filme, Hotel Ruanda é mais específico, concentrando-se na questão do genocídio em si mesmo, mas deixa no ar este substrato de verdadeira podridão que levou ao próprio genocídio, além de deixar muito bem claro o desprezo do Ocidente com a miséria e com a desgraça da África.

Os outros dois filmes, Diamante de sangue e O senhor das armas, são mais conectados entre si. Apesar de serem filmes independentes um do outro, com diretores diferentes e atores diferentes, e até mesmo produdoras diferentes, é óbvio o relacionamento que os filmes têm entre si. Em primeiro lugar, Diamantes de sangue se passa em Serra Leoa, país vizinho da Libéria, no qual aproximadamente um terço da trama de O senhor das armas está situado. Além disso, em determinado momento do filme O senhor das armas Nicolas Cage (que faz o papel principal) está vendendo armas para o ditador liberiano, e este ditador quer que Cage venda armas também para a Frente Revolucionária Unida (RUF), de Serra Leoa. Fica clara a associação entre um ditador de um país e sua influência nos países vizinhos. O próprio Cage, ao vender as armas para a RUF, recebe como pagamento diamantes, que são o tema central de Diamantes de sangue.

Interessante também notar como os personagens foram construídos, e aí muito do mérito vai para roteiristas e diretores dos filmes. É claro que há o apelo hollywoodiano clássico: no início o personagem principal só quer saber de grana e fodam-se os outros, mas com o passar do tempo ele se situa naquela encruzilhada entre continuar ganhando grana mesmo sabendo que os outros estão se matando pelo seu dinheiro ou para com o "trabalho" devido a questões morais. Em ambos os filmes há também o caso amoroso, que não pode faltar em nenhum filme de Hollywood. No entanto, mesmo com tais clichês, os filmes deixam claro aquilo que todos nós sabemos, ainda que instintivamente, e que às vezes tentamos reprimir: o fato de que não dá mais pra gente olhar pro lado e fazer de conta que não temos nada a ver com a pobreza do outro. E, a meu ver, este é o mérito principal dos três filmes, qual seja, o de mostrar (explícita ou implicitamente) algo que o Paulo Coelho falou no seu blog e que achei extremamente interessante:

"A vida nos pede constantemente: 'participe!'. A participação é necessária para nossa alegria, mas também para nossa proteção. Quem se omite diante das barbaridades que vê está prestando serviço à força das trevas, e isto lhe será cobrado um dia.

"Há momentos em que evitamos a luta, sob os mais diversos pretextos: serenidade, maturidade, senso de ridículo. Vemos a injustiça sendo feita a nosso próximo, e ficamos calados. 'Não vou me meter à toa em brigas', é a explicação.

"Isto não existe. Quem percorre um caminho espiritual carrega consigo um código de honra a ser cumprido. A voz que clama contra o que está errado é sempre ouvida por Deus. Se o nosso irmão não tem mais forças para reclamar, é nossa vez de fazê-lo por ele."

Esta idéia está presente nos três filmes: a participação necessária para acabar com a injustiça. Em diversos momentos dos três filmes surgem frases que, em outras palavras, dizem "não vou ajudar o próximo porque o problema é dele e não meu, e eu não posso me meter na luta alheia". Os personagens, mesmo sabendo que moralmente devem intervir, não intervêm por motivos diversos, mas quase sempre se justificam com a frase acima. Para além de considerações espirituais e/ou religiosas, sobre as quais eu, por enquanto, me abstenho de escrever, tal ideário me chama a atenção porque reflete, claramente, a ideologia liberal em ação: tal ideologia defende como foco principal a defesa e a preservação das liberdades individuais na sociedade. Ou seja, se eu sou livre, se eu estou bem, se eu estou satisfeito, se eu isso, se eu aquilo... Tudo está bem, porque eu estou bem. O liberalismo, neste sentido, é uma ideologia que estimula o egoísmo, já que faz com que cada um olhe apenas para o seu próprio umbigo e desconsidere os laços que nos unem a todos -- ou alguém aí acha que as ações realizadas por traficantes de armas ou de diamantes na África não influenciam nossas vidas aqui no Brasil?

À guisa de conclusão, copio aqui alguns parágrafos da minha dissertação de mestrado. Tento mostrar que, por mais que o individualismo tenha aspectos positivos, como a constante evolução tecnológica decorrente da extrema competição entre os indivíduos, por outro lado há momentos em que deveríamos nos ver como membros de um único grupo -- o da raça humana --, e portanto, como grupo, temos de agir em conjunto para solucionar diversos problemas que nos afligem no momento -- seja a questão dos diamantes que financiam as armas que serão utilizadas em genocídios, por exemplo, ou a questão climática, tão em voga neste início de 2007. Independentemente do que for, não há mais possibilidade de concretização de um sistema de soma-zero, no qual o ganho ou perda de um participante do grupo é exatamente balanceado pelos ganhos ou perdas de outro(s) participante(s) do mesmo grupo. Chegamos a um ponto em que ou todos ganham, ou todos perdem.

"A temática da liberdade, oriunda do liberalismo político, é transformada em principal pilar da democracia liberal, e a essa temática é associada a idéia do capitalismo como o melhor sistema econômico que pode garantir a liberdade individual. Entre o estado e o cidadão deve haver um acordo que fixa claramente a cada uma das partes quais são suas obrigações: as regras da democracia liberal estão dispostas em leis, definidas e garantidas pelo estado. Essas regras, no entanto, são regras formais, pois se baseiam primordialmente na igualdade política existente entre os cidadãos. Tal igualdade política, sem dúvida, é importante, pois dá chance a todos os indivíduos de participar politicamente na tomada de decisões (ou, pelo menos, de participar em eleições).

"No entanto, a forma como essa igualdade, influenciada pelo capitalismo e por questões econômicas, é usufruída pelos cidadãos é desconsiderada, o que leva à conclusão de que a igualdade é, necessariamente, formal. A democracia liberal não condena as opressões na esfera privada, já que seu âmbito oficial de atuação é a esfera pública (ou política): a democracia liberal não pode nem deve interferir nos problemas da esfera privada, pois se assim o fizer deixa de ser liberal. A esfera privada dos indivíduos deve ser coordenada pelos mesmos em situações de mercado, sendo esse último a única instituição capaz de satisfazer os desejos dos indivíduos de maneira eficiente. Alega-se que “(...) não apenas a intervenção não é necessária, mas também que o estado não é responsável pela perpetuação dos arranjos opressivos no mundo privado” (Cunningham 2002, 70). A democracia liberal prioriza os direitos individuais em detrimento dos de grupo ou de classe, e ao mesmo tempo afirma ser incapaz de lutar por direitos universais, pois isto seria “insensibilidade” frente às diferenças entre grupos: o estado deve, por um lado, garantir a liberdade do indivíduo em atingir seus objetivos, e por outro deve trabalhar de forma isenta, como um mediador que faz com que a busca de soluções para os problemas individuais seja equilibrada entre os indivíduos que compõem determinada sociedade.

(...)

"Em suma: a ênfase dos liberal-democratas em garantir a liberdade dos indivíduos, considerando a igualdade política em segundo plano como algo dado e garantido, leva a diferenças notáveis entre os indivíduos. O capitalismo desregulado defendido pelos economistas clássicos, bem como pelos neoliberais da atualidade, garante uma igualdade política formal, onde a função do voto é destacada e considerada como a grande possibilidade de participação política. No entanto, a qualidade do voto não é levada em consideração, fazendo com que os votos daqueles que tenham mais recursos sejam votos “melhores” por serem mais informados ou mais conscientes. Além disso, mesmo que o voto tenha peso igual para todos, aqueles que dispõem de mais recursos são capazes de influenciar o voto de outrem, fazendo com que os mesmos não sejam tão livres quanto parecem em um primeiro momento.

"Não há como acreditar que a igualdade de possibilidades exista para todos na prática, já que os recursos econômicos disponíveis aos indivíduos não são iguais. Como citado anteriormente, aqueles que dispõem de mais recursos serão mais beneficiados pelos mesmos ao colocarem em prática suas ações, seja em âmbito político ou econômico, e a apresentação da liberdade como o bem supremo a ser perseguido pela democracia liberal apenas faz com que a diferença de recursos políticos e econômicos entre os que têm pouco e os que têm muito aumente com o passar do tempo."


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