2 de setembro de 2007

Morta há dez anos, Diana foi personagem de identificação universal

(Original aqui)

Tem essas datas que a gente não esquece onde estava e uma delas é a da morte da princesa Diana. Eu era correspondente da TV Globo em Londres, voltava de férias naquele domingo e não posso negar que achava tudo aquilo – a tremenda repercussão pela morte - uma trapaça do destino. Quando começara a trabalhar na televisão, 18 meses antes do acidente, confesso que receava muito ter de cobrir assuntos ligados à família real britânica – por considerá-los fúteis.

Estava profundamente enganado. Ao contrário, nos meus cinco anos em Londres pela Globo e GloboNews, dificilmente outro tema de cobertura poderia se igualar ao da morte da princesa. Foi uma questão política e social das mais fascinantes, com um capítulo à parte sobre a relação entre mídia e celebridades. A morte de Diana expôs as entranhas da Inglaterra (acho que os escoceses ficaram menos impressionados) pela primeira vez depois da revolução de costumes da era Thatcher, e foi uma grande lição de cultura (no seu sentido mais amplo, de mentalidade, de valores de uma sociedade) a todos nós jornalistas.

Lembro-me de uma comparação imediatamente feita por colegas com a morte de Ayrton Senna. Fórmula 1 é esporte apenas seguido por bacanas? A espantosa popularidade do piloto brasileiro atravessou qualquer tipo de barreira de consumo ou segmento social. Diana, é claro, sempre foi para uma parte do público (dentro e fora do Reino Unido) uma novela a ser saboreada em cada capítulo – e hoje se reconhece que novelas são assistidas pelos públicos mais diversos que se possa imaginar.

Ainda em vida Diana sacudira a família real não só pela seqüência de escândalos conjugais. Acho que ela testou a durabilidade de uma instituição, e sua capacidade de aceitação. Talvez a grande surpresa desses dez anos, para quem viu a comoção dos ingleses nos dias que se seguiram à morte dela, em 1997, foi, em primeiro lugar, a capacidade de deglutição da crise mostrada pela Rainha, consciente que é do papel histórico da instituição de dirige. Em segundo lugar, o grau de consenso entre seus súditos de que mesmo uma instituição considerada por muitos anacrônica, superada e antiquada, pode continuar sendo uma espécie de “âncora” em regimes políticos democráticos.

Tendo vivido muitos anos na Alemanha, lembro-me também de uma certa nostalgia germânica por seus aristocratas e suas dinastias (corre muito sangue alemão nos Windsor, coisa que os alemães adoram recordar) – e não é à toa que os franceses acabam comparando seus presidentes de personalidade forte, como François Miterrand, a um rei (este último, Sarkozy, acho que está puxando muito para o lado “manager” pragmático, vamos ver quanto tempo demora para ele encontrar o lado Rei Sol).

Talvez a relação celebridade mídia tenha sido uma das mais exploradas inicialmente, dadas as circunstâncias do acidente que matou Diana. Ficou claro que era equivocado pôr a culpa apenas nos paparazzi: uma parte das manchetes de tablóides ingleses sobre a princesa era fornecida por ela mesma, em telefonemas noturnos a repórteres e editores. E se ela, com toda razão, queixava-se da incessante perseguição que sofria, por outra não conseguia viver sem a imprensa sensacionalista (contou-me, depois, uma íntima amiga da princesa).

Todas as possíveis teorias conspiratórias surgiram junto da trágica morte, a começar pela de um atentado (bobagens: o motorista estava alcoolizado, e “apenas” perdeu a direção). O pai do namorado de Diana – um arrivista dedicado a desafiar o establishment conservador inglês – não se cansou de dizer que ela se casaria com um muçulmano, o que seria inaceitável para a sociedade local. De fato, o grau de agressividade de um lado e de outro veríamos alguns anos mais tarde, quando cidadãos britânicos de origem paquistanesa, e muçulmanos, viraram homens-bomba no metrô de Londres.

Havia em Diana (eu a vi apenas uma vez de perto, ainda com o príncipe Charles, num torneio de pólo do qual participavam autoridades brasileiras) um carisma no olhar de excepcional poder televisivo. Difícil de ser definido. Para mim, parecia de certa tristeza, até certa melancolia. Claro, é meu jeito de olhar para um personagem como Diana. Outros possivelmente a viram e a enxergam hoje de forma completamente diferente, mas é isso que torna essas figuras tão interessantes: existe a “minha” Diana, a sua, a de outros.

E deixando de lado a política, a sociologia dos costumes ingleses, o papel das instituições e seus personagens, Diana foi uma trágica história de mulher. Uma história universal – parecida (confesso que gosto da comparação) com a trágica história de Ayrton, capaz de criar identificações por cima de qualquer barreira.


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