11 de maio de 2008

Bobagens do presidente

(Original aqui.)

Postado por Carlos Alberto Sardenberg em 10 de Maio de 2008 às 12:36

Como muita gente no mercado, o presidente Lula também se queixou das agências de classificação de risco. No mercado, o pessoal reclama que as agências não anteciparam a crise do crédito nos EUA. Já Lula, em discurso na Bahia reclamou da nota que as agências dão aos Estados Unidos. Sustenta que o risco dos EUA não poderia ser zero, como é, uma vez que o país está numa “crise desgraçada” e “entupido de dívida”.

É verdade que os EUA têm os déficits gêmeos, nas contas públicas - o governo gasta mais que arrecada - e nas contas externas, sobretudo por causa de um enorme déficit comercial.

Mas por que investidores e governos do mundo todo (inclusive o governo brasileiro) continuam comprando títulos emitidos pelo governo norte-americano? Por que confiam nesses papéis? Será que ninguém terá percebido o “grande erro” cometido pelas agências, como percebeu nosso presidente?

Ocorre que a dívida dos EUA está na moeda local, na moeda deles. Isso faz uma brutal diferença.

Tomem por exemplo a dívida externa brasileira total, pública e privada, em torno de US$ 200 bilhões. Com o dólar a R$ 1,67, essa dívida equivale a R$ 334 bilhões. Ou seja, os devedores brasileiros precisam arrumar apenas R$ 334 bilhões para matar a dívida.

Imaginemos agora que o governo brasileiro perca o controle da situação econômica, que a inflação dispare, que o déficit das contas públicas aumente, que a crise internacional reduza as exportações brasileiras. Nossa moeda, o real, vai se desvalorizar. Imaginemos que chegue a R$ 2,50. Com isso, a mesma dívida externa de US$ 200 bilhões passaria de R$ 334 bilhões para R$ 500 bilhões (um salto de R$ 166 bilhões, um dinheirão, equivalente a 6,5% do PIB do ano passado).

Considerando que a dívida pública é um pouco menos da metade da Divida Externa Total, o aumento no endividamento do governo seria de 3% do PIB. Para se verificar o tamanho disso, basta notar que no ano passado a dívida líquida do setor público caiu de 43% do PIB para 41,6%, uma redução de 1,4 ponto percentual, que foi considerado como um bom resultado.

Já a dívida americana é em dólar, moeda deles. Se o dólar se desvaloriza, como está ocorrendo, a dívida se desvaloriza, fica menor, que é o que está ocorrendo.

Mas o outro fator pelo qual o risco dos EUA é zero está no passado de bom pagador - ao contrário da reputação do Brasil, cujos governos de tempos em tempos se orgulharam de dar calotes na dívida externa e cujas lideranças políticas, como as do PT, pregam o calote das dívidas interna e externa.

Aliás, em 2002, quando ficou claro que Lula seria eleito presidente, o mercado olhou para o passado e para os documentos do PT e o que aconteceu? O dólar foi a R$ 4,00, dobrando a dívida externa medida em reais, e o risco Brasil foi a 2.400 pontos.

Depois, o mercado leu a “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual Lula prometia manter as bases da política econômica de FHC e, sobretudo, prometia continuar pagando a dívida em dia. Com isso e as ações concretas de Antonio Palocci, o mercado se convenceu de que não haveria calote e as cotações foram voltando.

Ou seja, Lula pediu, sim, o voto do mercado, ao contrário do que disse no mesmo discurso em que criticou as agências.

Já no governo americano, essas questões nunca apareceram. Suas lideranças nunca cogitaram calotes, sempre pagaram em dia.

Tudo isso é fácil de saber, especialmente para um presidente da República.

De maneira que há duas hipóteses para as bobagens ditas pelo presidente Lula. Ou ele sabe disso e fez um discurso populista, jogando, pois, com a ignorância do público. Ou a ignorância é dele.

Escolham a sua hipótese.

O fato é que, do alto de sua popularidade, o presidente, que já se achava, agora parece ter perdido qualquer limite. Ele fala o que lhe dá na telha - e dá cada coisa...

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