LIBERALIZAÇÃO E INCLUSIVIDADE NA RÚSSIA
Em seu livro Poliarchy, Robert A. Dahl define todos os regimes políticos do mundo como não completamente democráticos. O autor acredita que mesmo aqueles países onde o sistema democrático já esteja consolidado, o que existe não é democracia – coisa que o autor acha impossível de acontecer em qualquer lugar do mundo. Partindo desse princípio, Dahl define o seu conceito de poliarquia:
Assim, os dois eixos que Dahl define em seu texto são os seguintes: o da liberalização (ou contestação pública) e o da inclusividade (ou o grau de participação da sociedade no governo). Quanto maiores forem os graus de liberalização e de inclusividade, mais próximo da “poliarquia perfeita” determinado regime estará.
Tendo-se em mente tais eixos, é possível afirmar que a Rússia ampliou, após o fim da União Soviética, a sua taxa de participação política da população, por meio de eleições livres e regulares, e também ampliou o grau de contestação pública ao regime, permitindo manifestações populares e o surgimento de uma verdadeira oposição a ambos os regimes.
O principal resultado da reforma política na Rússia desde o início da Perestroika foi a participação popular. Os cidadãos saíram de um estágio de total “alienação” em relação à escolha dos seus governantes e atingiram um estágio onde a democracia foi instaurada e consolidada – pelo menos a democracia formal, onde a ênfase é dada à possibilidade de voto às pessoas. O processo eleitoral na Rússia nunca deixou de acontecer, desde o fim da União Soviética. As eleições parlamentares e presidenciais ocorreram sempre nas datas previstas, sendo que nenhuma delas foi suspensa – mesmo quando esta possibilidade existiu. A partir das eleições de 1995, podemos perceber que a contestação pública ao sistema passa a ser não apenas oficial, mas principalmente efetiva. Com a pluralidade de partidos políticos, cada qual com sua respectiva ideologia, a população pôde escolher dentre as diversas opções disponíveis, dando a maioria na Duma ao Partido Comunista da Federação da Rússia.
Outro ponto importante na reforma política russa, e que também está relacionado à questão das eleições, foi a possibilidade de abertura de novos partidos políticos e da desconcentração do poder político, que antes estava nas mãos apenas do Partido Comunista. A pluralidade partidária, refletida na Assembléia Federal, foi uma das grandes e importantes conquistas do povo russo, com o fim do monopartidarismo comunista.
Um terceiro ponto importante na reforma política russa foi a criação de um sistema político-administrativo nos moldes ocidentais, com três poderes independentes entre si. O poder Judiciário, que existia mas era inoperante na União Soviética, passou a ter grande importância – e influência – no andamento dos processos políticos da Rússia, como por exemplo na denúncia de medidas inconstitucionais executadas por parte do poder Executivo. Desta forma, o sistema ocidental de pesos e contrapesos passou a existir também na Rússia, de forma que o poder não ficasse concentrado apenas nas mãos do poder Executivo. Obviamente que, para não ser “engolido”, o poder Judiciário se aliou diversas vezes ao poder Legislativo, objetivando formar um peso de oposição ao poder Executivo e suas medidas arbitrárias impetradas por Boris Ieltsin – presidente da Rússia de 1992 a 2000. Da mesma forma, também o poder Legislativo conseguiu sua independência – ainda que relativa – em relação ao poder Executivo, podendo os parlamentares, que foram escolhidos pela população, efetivamente irem contra as políticas neoliberais do poder Executivo.
As reformas política e econômica ocorridas na Rússia durante a década de 90 criaram uma conjuntura onde foi possível a passagem de um sistema centralizado e autoritário para um sistema aonde, pelo menos, as pessoas podem votar e onde o Parlamento pode, e muitas vezes consegue, contrabalançar as medidas tomadas pelo poder Executivo. Deste ponto de vista, é possível afirmar que existe, pelo menos em termos formais, uma grande participação política e também uma grande contestação pública aos atos do governo. É importante também realçar que essa participação da população na vida política do país começou ainda no período soviético, e vem evoluindo em um crescendo contínuo, o mesmo ocorrendo com a contestação da população aos atos do governo.
A inclusão de mais e mais camadas da população no processo eleitoral caracteriza a participação política da população. No caso da Rússia, enquanto ainda no período da União Soviética, tal participação era inexistente: só veio acontecer pela primeira vez em 1989, com as primeiras eleições diretas para o Congresso dos Deputados do Povo. Já a contestação pública ao sistema começou a ser realizada um pouco antes, por volta de 1987, com o aprofundamento e com a consolidação da liberdade de imprensa e com a possibilidade de manifestações políticas contra o próprio sistema, possibilitado pelo ambiente político da Perestroika.
Após o fim da União Soviética, a tendência foi a total consolidação da participação política da sociedade. Ocorreram três eleições parlamentares na década de 90 na Rússia (em 1993, 1995 e 1999) e duas eleições presidenciais no mesmo período (em 1996 e em 2000). A participação da população aumentou gradativamente em cada uma dessas eleições, caracterizando a participação da população no governo. Ao mesmo tempo, o voto dos cidadãos russos foi dado majoritariamente para candidatos de oposição (no caso das eleições parlamentares), o que também caracteriza a contestação pública ao sistema político vigente. Também em relação à contestação pública, houve um aumento significativo na possibilidade de manifestações abertas contra o governo, incluindo passeatas que pressionaram o Parlamento a tomar atitudes contra o poder Executivo.
Desta forma, vemos que a democracia formal já está implantada e consolidada na Rússia, com eleições regulares e com a participação de grande parte da população. Também a contestação pública começa a se consolidar, não apenas com passeatas e manifestações populares nas ruas, mas também com a criação e o funcionamento de instituições que permitem caracterizar a contestação pública. A escolha de parlamentares que fazem oposição ao governo é uma conseqüência do processo de consolidação da contestação pública e da participação política da população. Vale lembrar que a contestação pública continuou em 1999, quando, mais uma vez, o Partido Comunista da Federação da Rússia obteve maioria – ainda que não absoluta – na Duma, após as eleições parlamentares.
Assim, podemos afirmar que as reformas políticas e econômicas realizadas na Rússia efetivamente contribuíram para aumentar a participação da sociedade na definição dos rumos do país, além de possibilitar que esta sociedade se manifestasse contra o governo.
Referências bibliográficas:
DAHL, Robert A. Poliarchy. New Haven e Londres: Yale University Press, s/d.
Escrito em 15/03/2003
Matheus Passos Silva
Mestrado em Ciência Política
Mestrado em Ciência Política
Em seu livro Poliarchy, Robert A. Dahl define todos os regimes políticos do mundo como não completamente democráticos. O autor acredita que mesmo aqueles países onde o sistema democrático já esteja consolidado, o que existe não é democracia – coisa que o autor acha impossível de acontecer em qualquer lugar do mundo. Partindo desse princípio, Dahl define o seu conceito de poliarquia:
Podemos conceber que a democracia está situada no canto superior direito [do gráfico criado por Dahl para exemplificar os regimes políticos definidos por ele]. Mas como a democracia pode envolver mais dimensões do que as duas da figura 1.2 [contestação pública e participação política], e como (em meu ponto de vista) nenhum dos grandes sistemas do mundo é totalmente democratizado, eu prefiro chamar os sistemas reais do mundo que estão mais próximos ao canto superior direito de poliarquias. Qualquer mudança em um regime que se move para cima e para a direita, por exemplo, pelo caminho III, pode-se dizer que representa algum grau de democratização. Poliarquias, portanto, podem ser pensadas como regimes relativamente – porém incompletamente – democratizados, ou, para colocar de outra forma, poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, ou seja, altamente inclusivos e extensivamente abertos à contestação pública (Dahl, 8).
Assim, os dois eixos que Dahl define em seu texto são os seguintes: o da liberalização (ou contestação pública) e o da inclusividade (ou o grau de participação da sociedade no governo). Quanto maiores forem os graus de liberalização e de inclusividade, mais próximo da “poliarquia perfeita” determinado regime estará.
Tendo-se em mente tais eixos, é possível afirmar que a Rússia ampliou, após o fim da União Soviética, a sua taxa de participação política da população, por meio de eleições livres e regulares, e também ampliou o grau de contestação pública ao regime, permitindo manifestações populares e o surgimento de uma verdadeira oposição a ambos os regimes.
O principal resultado da reforma política na Rússia desde o início da Perestroika foi a participação popular. Os cidadãos saíram de um estágio de total “alienação” em relação à escolha dos seus governantes e atingiram um estágio onde a democracia foi instaurada e consolidada – pelo menos a democracia formal, onde a ênfase é dada à possibilidade de voto às pessoas. O processo eleitoral na Rússia nunca deixou de acontecer, desde o fim da União Soviética. As eleições parlamentares e presidenciais ocorreram sempre nas datas previstas, sendo que nenhuma delas foi suspensa – mesmo quando esta possibilidade existiu. A partir das eleições de 1995, podemos perceber que a contestação pública ao sistema passa a ser não apenas oficial, mas principalmente efetiva. Com a pluralidade de partidos políticos, cada qual com sua respectiva ideologia, a população pôde escolher dentre as diversas opções disponíveis, dando a maioria na Duma ao Partido Comunista da Federação da Rússia.
Outro ponto importante na reforma política russa, e que também está relacionado à questão das eleições, foi a possibilidade de abertura de novos partidos políticos e da desconcentração do poder político, que antes estava nas mãos apenas do Partido Comunista. A pluralidade partidária, refletida na Assembléia Federal, foi uma das grandes e importantes conquistas do povo russo, com o fim do monopartidarismo comunista.
Um terceiro ponto importante na reforma política russa foi a criação de um sistema político-administrativo nos moldes ocidentais, com três poderes independentes entre si. O poder Judiciário, que existia mas era inoperante na União Soviética, passou a ter grande importância – e influência – no andamento dos processos políticos da Rússia, como por exemplo na denúncia de medidas inconstitucionais executadas por parte do poder Executivo. Desta forma, o sistema ocidental de pesos e contrapesos passou a existir também na Rússia, de forma que o poder não ficasse concentrado apenas nas mãos do poder Executivo. Obviamente que, para não ser “engolido”, o poder Judiciário se aliou diversas vezes ao poder Legislativo, objetivando formar um peso de oposição ao poder Executivo e suas medidas arbitrárias impetradas por Boris Ieltsin – presidente da Rússia de 1992 a 2000. Da mesma forma, também o poder Legislativo conseguiu sua independência – ainda que relativa – em relação ao poder Executivo, podendo os parlamentares, que foram escolhidos pela população, efetivamente irem contra as políticas neoliberais do poder Executivo.
As reformas política e econômica ocorridas na Rússia durante a década de 90 criaram uma conjuntura onde foi possível a passagem de um sistema centralizado e autoritário para um sistema aonde, pelo menos, as pessoas podem votar e onde o Parlamento pode, e muitas vezes consegue, contrabalançar as medidas tomadas pelo poder Executivo. Deste ponto de vista, é possível afirmar que existe, pelo menos em termos formais, uma grande participação política e também uma grande contestação pública aos atos do governo. É importante também realçar que essa participação da população na vida política do país começou ainda no período soviético, e vem evoluindo em um crescendo contínuo, o mesmo ocorrendo com a contestação da população aos atos do governo.
A inclusão de mais e mais camadas da população no processo eleitoral caracteriza a participação política da população. No caso da Rússia, enquanto ainda no período da União Soviética, tal participação era inexistente: só veio acontecer pela primeira vez em 1989, com as primeiras eleições diretas para o Congresso dos Deputados do Povo. Já a contestação pública ao sistema começou a ser realizada um pouco antes, por volta de 1987, com o aprofundamento e com a consolidação da liberdade de imprensa e com a possibilidade de manifestações políticas contra o próprio sistema, possibilitado pelo ambiente político da Perestroika.
Após o fim da União Soviética, a tendência foi a total consolidação da participação política da sociedade. Ocorreram três eleições parlamentares na década de 90 na Rússia (em 1993, 1995 e 1999) e duas eleições presidenciais no mesmo período (em 1996 e em 2000). A participação da população aumentou gradativamente em cada uma dessas eleições, caracterizando a participação da população no governo. Ao mesmo tempo, o voto dos cidadãos russos foi dado majoritariamente para candidatos de oposição (no caso das eleições parlamentares), o que também caracteriza a contestação pública ao sistema político vigente. Também em relação à contestação pública, houve um aumento significativo na possibilidade de manifestações abertas contra o governo, incluindo passeatas que pressionaram o Parlamento a tomar atitudes contra o poder Executivo.
Desta forma, vemos que a democracia formal já está implantada e consolidada na Rússia, com eleições regulares e com a participação de grande parte da população. Também a contestação pública começa a se consolidar, não apenas com passeatas e manifestações populares nas ruas, mas também com a criação e o funcionamento de instituições que permitem caracterizar a contestação pública. A escolha de parlamentares que fazem oposição ao governo é uma conseqüência do processo de consolidação da contestação pública e da participação política da população. Vale lembrar que a contestação pública continuou em 1999, quando, mais uma vez, o Partido Comunista da Federação da Rússia obteve maioria – ainda que não absoluta – na Duma, após as eleições parlamentares.
Assim, podemos afirmar que as reformas políticas e econômicas realizadas na Rússia efetivamente contribuíram para aumentar a participação da sociedade na definição dos rumos do país, além de possibilitar que esta sociedade se manifestasse contra o governo.
Referências bibliográficas:
DAHL, Robert A. Poliarchy. New Haven e Londres: Yale University Press, s/d.
Escrito em 15/03/2003
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