DO ESTADO NATURAL AO ESTADO SOCIAL
“O homem é o lobo do homem” é uma das frases mais repetidas por aqueles que se referem à Hobbes. Essa máxima aparece na obra Sobre o Cidadão, coroada por uma outra, menos citada, mas igualmente importante: “guerra de todos contra todos”. Ambas são fundamentais como síntese do que Hobbes pensa a respeito do estado natural em que vivem os homens. O estado de natureza é o modo de ser que caracterizaria o homem antes de seu ingresso no estado social. Nos estado de natureza, “a utilidade é a medida do direito”. Isso significa que, levado por suas paixões, o homem precisa conquistar o bem, ou seja, comodidades da vida, aquilo que resulta em prazer. O altruísmo não seria, portanto, natural. Natural seria o egoísmo, inclinação geral do gênero humano, constituído por “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que só termina com a morte”. Essa idéia é afirmada por Hobbes em relação a todos os homens. Apesar de defensor do despotismo político e adversário da democracia política, Hobbes afirma que “todos os homens são naturalmente iguais”.
Essa igualdade baseia-se no desejo universal de autopreservação, isto é, da procura do que é necessário e cômodo à vida. Com isso, fica estabelecido um direito fundamental de autoconservação. Como todos os homens seriam dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à violência generaliza-se e complica-se, cada qual elaborando novos meios de destruição do próximo, com o que a vida se torna “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”, na qual cada um é lobo para o outro, em guerra de todos contra todos. Assim, o estado natural exige uma saída com base no próprio instinto de conservação da vida. Deixado a si, o instinto de conservação é abertura para a violência que o reitera e, ao mesmo tempo, para a paz tática que prometa conservação. É esse o campo da lei natural.
A concepção que Hobbes tem do estado de natureza distancia-o da maior parte dos filósofos políticos, que acreditam haver no homem uma disposição natural para viver em sociedade. Na obra Sobre o Cidadão Hobbes argumenta contra Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) para quem o homem é um animal social e já está naturalmente incluído em uma ordem ideal. Como o instinto de conservação é básico na filosofia de Hobbes, para ele os indivíduos entram em sociedade só quando a preservação da vida está ameaçada. Os homens não vivem em cooperação natural, como o fazem as abelhas ou as formigas. O acordo entre elas é natural; entre os homens, só pode ser artificial.
Guiado pela razão, o instinto de conservação ensina que – diz Hobbes – “é preciso procurar a paz quando se tem a esperança de obtê-la”, pois a vida de cada um estaria sempre ameaçada se cada qual tudo fizesse para exercer seu poder sobre todas as coisas. Não sendo possível a paz, “é preciso procurar em toda parte os recursos para guerra, sendo lícito empregá-los”. De qualquer modo, a paz é a dimensão mais compatível com o instinto de conservação.
Nesse sentido, os homens são levados a estabelecer contratos entre si. O contrato “é uma transferência mútua de direito”. O pacto, isto é, a promessa de cumprir o contrato, vale enquanto a conservação da vida não estiver sendo ameaçada. Para que seja durável a paz obtida com o contrato social, “é necessário que a multidão dos associados seja tão grande que os adversários de sua segurança não tenham a esperança de que a adesão de um pequeno número baste para assegurar-lhe a vitória”. Para que a vida seja viável, impõe-se, pois, uma sociedade civil. Assim, a paz imprescindível à conservação da vida que a razão solicita cria o pacto social e, através deste, o homem é introduzido em uma ordem moral.
No nível das relações morais, é preciso que cada um – segundo Hobbes – “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a si”; é preciso evitar a ingratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a concórdia; que o mal seja vingado sem crueldade, que haja moderação no uso dos bens; que os bens sejam distribuídos eqüitativamente e que haja uso comum daqueles que não possam ser divididos; havendo disputas, que se recorra a um árbitro imparcial e desinteressado. Essas leis não são deduzidas por Hobbes de um instinto natural, nem de um consentimento universal, mas de uma razão que procura os meios de conservação do homem; elas seriam imutáveis por constituírem conclusões tiradas por raciocínio.
Referências bibliográficas:
HOBBES, Thomas de Malmesbury. Leviatã ou matéria forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Do estado natural ao estado social. 3a. ed. São Paulo: Abril, 1983. P. XIV a XV.
Escrito em março de 2003
“O homem é o lobo do homem” é uma das frases mais repetidas por aqueles que se referem à Hobbes. Essa máxima aparece na obra Sobre o Cidadão, coroada por uma outra, menos citada, mas igualmente importante: “guerra de todos contra todos”. Ambas são fundamentais como síntese do que Hobbes pensa a respeito do estado natural em que vivem os homens. O estado de natureza é o modo de ser que caracterizaria o homem antes de seu ingresso no estado social. Nos estado de natureza, “a utilidade é a medida do direito”. Isso significa que, levado por suas paixões, o homem precisa conquistar o bem, ou seja, comodidades da vida, aquilo que resulta em prazer. O altruísmo não seria, portanto, natural. Natural seria o egoísmo, inclinação geral do gênero humano, constituído por “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que só termina com a morte”. Essa idéia é afirmada por Hobbes em relação a todos os homens. Apesar de defensor do despotismo político e adversário da democracia política, Hobbes afirma que “todos os homens são naturalmente iguais”.
Essa igualdade baseia-se no desejo universal de autopreservação, isto é, da procura do que é necessário e cômodo à vida. Com isso, fica estabelecido um direito fundamental de autoconservação. Como todos os homens seriam dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à violência generaliza-se e complica-se, cada qual elaborando novos meios de destruição do próximo, com o que a vida se torna “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”, na qual cada um é lobo para o outro, em guerra de todos contra todos. Assim, o estado natural exige uma saída com base no próprio instinto de conservação da vida. Deixado a si, o instinto de conservação é abertura para a violência que o reitera e, ao mesmo tempo, para a paz tática que prometa conservação. É esse o campo da lei natural.
A concepção que Hobbes tem do estado de natureza distancia-o da maior parte dos filósofos políticos, que acreditam haver no homem uma disposição natural para viver em sociedade. Na obra Sobre o Cidadão Hobbes argumenta contra Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) para quem o homem é um animal social e já está naturalmente incluído em uma ordem ideal. Como o instinto de conservação é básico na filosofia de Hobbes, para ele os indivíduos entram em sociedade só quando a preservação da vida está ameaçada. Os homens não vivem em cooperação natural, como o fazem as abelhas ou as formigas. O acordo entre elas é natural; entre os homens, só pode ser artificial.
Guiado pela razão, o instinto de conservação ensina que – diz Hobbes – “é preciso procurar a paz quando se tem a esperança de obtê-la”, pois a vida de cada um estaria sempre ameaçada se cada qual tudo fizesse para exercer seu poder sobre todas as coisas. Não sendo possível a paz, “é preciso procurar em toda parte os recursos para guerra, sendo lícito empregá-los”. De qualquer modo, a paz é a dimensão mais compatível com o instinto de conservação.
Nesse sentido, os homens são levados a estabelecer contratos entre si. O contrato “é uma transferência mútua de direito”. O pacto, isto é, a promessa de cumprir o contrato, vale enquanto a conservação da vida não estiver sendo ameaçada. Para que seja durável a paz obtida com o contrato social, “é necessário que a multidão dos associados seja tão grande que os adversários de sua segurança não tenham a esperança de que a adesão de um pequeno número baste para assegurar-lhe a vitória”. Para que a vida seja viável, impõe-se, pois, uma sociedade civil. Assim, a paz imprescindível à conservação da vida que a razão solicita cria o pacto social e, através deste, o homem é introduzido em uma ordem moral.
No nível das relações morais, é preciso que cada um – segundo Hobbes – “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a si”; é preciso evitar a ingratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a concórdia; que o mal seja vingado sem crueldade, que haja moderação no uso dos bens; que os bens sejam distribuídos eqüitativamente e que haja uso comum daqueles que não possam ser divididos; havendo disputas, que se recorra a um árbitro imparcial e desinteressado. Essas leis não são deduzidas por Hobbes de um instinto natural, nem de um consentimento universal, mas de uma razão que procura os meios de conservação do homem; elas seriam imutáveis por constituírem conclusões tiradas por raciocínio.
Referências bibliográficas:
HOBBES, Thomas de Malmesbury. Leviatã ou matéria forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Do estado natural ao estado social. 3a. ed. São Paulo: Abril, 1983. P. XIV a XV.
Escrito em março de 2003
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