17 de agosto de 2007

Crise de mercados, é óbvio, atinge o Brasil

(Original aqui)

Vamos começar por dois óbvios da categoria ululante. É bastante óbvio que a crise nos mercados internacionais afetaria ao Brasil. Era bastante óbvio que as autoridades brasileiras diriam – e cumpriram rigorosamente seu script, começando por Lula – que o país não seria atingido.

É claro que o Brasil ser ou não atingido pela crise não é “culpa” do governo. Mas falam por si os reflexos políticos de várias autoridades, preocupadas, em primeiro lugar, com a “culpa política” que recairia sobre seus ombros (como ficou bem demonstrado no caso da tragédia da TAM). A natureza dos problemas (apagão aéreo, incompetência administrativa, crise nos mercados internacionais) fica em segundo plano.

Algumas declarações do presidente nos últimos dias sobre a crise internacional sugerem fortemente que ele não entende o que está acontecendo. Lula disse que “o problema dos bancos americanos não é meu”. Aqui vai mais um óbvio ululante: ninguém espera que o presidente de país algum faça declarações pondo mais medo onde já existem receios suficientes (Bush, aliás, tratou de acalmar os mercados há alguns dias e provocou apenas observações irônicas, mas isto é outro capítulo).

O principal problema com fatos negativos – para políticos ou jornalistas – é querer brigar com eles. Para começar, a crise internacional não é “um problema dos bancos americanos”. É um problema global na medida em que o sistema financeiro internacional criou tais mecanismos (difíceis de serem entendidos até por especialistas) de difusão do risco, a ponto de não se saber, no momento, se eles são, na verdade, o problema e não a pretendida solução.

Bancos no mundo inteiro apoiaram-se em papéis baseados em empréstimos por sua vez revendidos. E o que se pensava que ajudaria a não deixar que uma crise de liquidez e confiança recaísse sobre apenas num setor (o financeiro, o dos bancos) é o que está em teste no momento, e parece que não está passando pela prova. Não sou economista, mas a experiência histórica (passada e recente) nos mostra que a separação entre “economia real” e a do “sistema financeiro” é artificial e acaba desaparecendo rapidamente.

O que está na raiz da incompreensão do problema internacional, hoje, é a idéia retrógrada de que um bando de alguéns (digamos, banqueiros americanos fumando charutos num restaurante exclusivo perto da Wall Street) “determina” que empréstimos ou créditos podres, concedidos ou tomados por compulsão de lucros e rapinagem, serão a base de um “modelo” que, ao desfazer-se, vai arrebentar nas costas dos pobres. E que o Brasil, por ter uns US$ 160 bilhões (R$ 320 bilhões) em reservas internacionais, fica de fora de ter de pagar a conta.

Infelizmente, o que está na cabeça de Lula parece ter pouco a ver com que realmente acontece lá fora e aqui. É impossível entender a economia internacional, hoje, olhando apenas para um só país, um só setor, uma só região do mundo. O estouro da bolha imobiliária americana é de interesse e de alcance e de conseqüências globais justamente por esse óbvio ululante do começo deste parágrafo: a obviedade de que a economia mundial é extraordinariamente integrada – e volátil.

É o que chamo de mentalidade Coréia do Norte: realmente só quem está totalmente isolado do mundo exterior não precisa temer o que acontece fora das próprias fronteiras. Crises internacionais importam pois afetam decisões de investimentos de estrangeiros e brasileiros; fluxos de capitais para dentro e fora do Brasil; comércio exterior; acesso a créditos; valor de mercado e capitalização de empresas em bolsas daqui e lá fora.

É canhestra e pobre a afirmação de que “antes quando os Estados Unidos pegavam uma gripe, o Brasil pegava uma pneumonia”. É uma frase presa àquela velha mentalidade de que “eles” (aquele bando urdindo alguma coisa contra nós) são os responsáveis pelas nossas próprias mazelas. Na economia internacional, como nas relações internacionais, é difícil usar os olhos de ontem para tentar entender o que virá amanhã.

Não estamos mais numa crise de balanços ou pagamentos como aconteceu no episódio do endividamento latino-americano (e brasileiro) de 1982 – o que talvez esteja na cabeça de Lula. A crise atual é perigosa por dois motivos: a) ninguém sabe dizer até onde vai; b) ela atinge um sistema e não apenas um grupo de países, ou instituições financeiras.

É fato que Lula não fala para os mercados, ou para quem opera neles. Lula fala, provavelmente, para os milhões que desconhecem, talvez, até mesmo a existência dos “mercados”. Se as coisas andarem piores do que já estão andando, sempre será possível a Lula dizer que a culpa é “deles”.


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