19 de dezembro de 2007

"Paciência, paciência..."

(Original aqui)

Evo Morales e Lula têm algo em comum

“Paciência, paciência e paciência” foi o conselho que o presidente Lula deu aos bolivianos, em público, ao anunciar mais investimentos da Petrobrás no país vizinho. Talvez o conselho devesse ter sido dado aos que formulam as relações do Brasil com a Bolívia.

Governo e oposição concordam em dizer, na Bolívia, que o país está à beira de um perigoso conflito. A causa principal é o próprio presidente Evo Morales. Ele ensaiou o que chama de “refundação” da Bolívia com base numa constituição que mandou aprovar sem participação da oposição.

Entre outros itens bastante polêmicos, a constituição boliviana concede a populações indígenas e sua justiça comunitária o mesmo status de tribunais (com juízes que serão eleitos, em vez de apontados pelo Congresso). O documento, cuja legalidade está sendo contestada pela oposição, ajuda a dividir ainda mais um país ameaçado de rachar ao meio.

Em parte é responsabilidade direta de Evo Morales a atitude de muitos de seus seguidores, que qualificam qualquer forma de oposição ao presidente de conspiração emanada da “oligarquia branca”. O perigo de uma partição do país é real: as regiões mais prósperas e dinâmicas da Bolívia são as que não querem aceitar a constituição empurrada goela abaixo.

Quando Lula disse, na posse de Cristina Kirchner, que Evo Morales era “a coisa mais extraordinária” que havia acontecido na América Latina, ficou uma pergunta no ar. O presidente brasileiro estava se referindo a um fenômeno ou a um método? Ambos – o fenômeno Morales e seus métodos de governar – nada têm de novo nem de extraordinário na América Latina.

Evo Morales e Lula têm algo em comum, uma espécie de cacoete que se manifesta quando estão juntos: o velho hábito sindicalista de resolver coisas na base da conversa pessoal. O “extraordinário” Evo encontra-se com o “irmão mais velho” Lula e, no gogó, no fio do bigode, no tapa nas costas, resolvem que as relações entre dois países vão caminhar assim – “em resposta aos que queriam distanciamento”, como diz Lula.
Os erros de política externa brasileira em relação à Bolívia repetem-se com previsível monotonia. Está tudo nos manuais básicos de diplomacia: não interferir nos assuntos políticos do vizinho (que Lula fez ao endossar Morales antes das eleições); não tolerar quebras de contratos (que Lula obrigou a Petrobrás a fazer); não parecer apoiar um lado num conflito (que Lula obviamente faz com o uso político de estatais como a Petrobrás).

É bem ilustrativa a maneira como age a presidente do Chile (uma socialista com excelentes credenciais de resistência a uma ditadura), Michele Bachelet. A Bolívia tem com o Chile um velho e perigoso contencioso, que é a saída para o mar. Bachelet foi capaz de dar a Morales o tratamento que ele merece: cordial, formal, pragmático e calibrado na justa medida para não prometer nada que não tenha uma contrapartida.

O Chile não parece sofrer diante da Bolívia do mesmo complexo de culpa que o Brasil deixa transparecer – embora, do ponto de vista histórico (que Lula gosta de citar fora de contexto) os chilenos pudessem ser carimbados como “culpados” pelo fato dos bolivianos não terem direito ao mar. O governo brasileiro acha que a Petrobras é “culpada” pelo fato de ter investido e ganhado dinheiro na Bolívia? Que os plantadores brasileiros de soja na Bolívia estão “explorando” o país vizinho?

Outro jeito (errado) do presidente brasileiro ver o que acontece com o vizinho foi a comparação que fez, em La Paz, com a ajuda dada pela então Comunidade Européia a países como Portugal, Espanha e Grécia. Naquela época, uns trinta anos atrás, o dinheiro de Bruxelas (bombeado, sobretudo, por França e Alemanha) foi dado a Lisboa, Madri e Atenas sob condições bastante rígidas – sobretudo condições políticas.

Exigiu-se a manutenção de regimes democráticos pluralistas e abertos, o respeito total e completo a contratos e – no caso específico da Espanha – a entrada no pacto militar ocidental, a Otan (que os socialistas espanhóis fizeram). Se a história fosse lida em seu contexto por quem assessora Lula, as relações com a Bolívia poderiam ser diferentes.

Ninguém faz política externa entregando coisas de graça, ou sem contrapartida. Exigir respeito não é se comportar mal, nem prejudicar países vizinhos.


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