30 de dezembro de 2007

Que dia!

Ontem tentei ao máximo ficar acordado até bem tarde da noite, mas não resisti: terminei de digitar a postagem, conversei um pouco e resolvi deitar na cama pra pensar no que iria fazer hoje. Resultado: às 20 h já estava dormindo como uma pedra. Acordei por volta das 5 h da manhã e fiquei revirando na cama até dar a hora "certa" de levantar (por volta das 8:30 h, já que no inverno está escuro até mais ou menos 9 h da manhã).

Hoje o dia foi "daqueles". Resolvi apenas andar pela cidade, sem utilizar nenhum tipo de transporte público. E aí sabe como é: no início é só empolgação e alegria, e no final do dia é aquela dor horrível no joelho direito e no tornozelo esquerdo. Mas mesmo assim valeu muito a pena.

O albergue fica na parte sudoeste da cidade, "do lado de cá" do rio Angará, e a maioria absoluta das atrações fica do centro para o norte da cidade, "do lado de lá" do rio. Então lá fui eu, feliz, alegre e contente caminhando pela cidade. Hoje não estava tão frio: apenas -10 graus, então deu pra caminhar sem problemas.

Do albergue até a ponte que cruza o rio e leva ao centro são mais ou menos 5 km. Como fui tirando foto de tudo que eu via pela frente, lá se foram mais ou menos uma hora e meia até chegar à ponte. Mas não segui a rua diretamente: saí do caminho várias e várias vezes, passando por parques e/ou por áreas que, no verão, devem ser bastante verdes... Desviei-me do caminho também para tirar fotos de uma estação ferroviária que fica "próxima" ao albergue, e que faz parte da Transiberiana. E dei-me ao luxo de tirar umas fotos e mandar pelo celular pra uma amiga minha: enquanto no Brasil eles estavam em uma festa, eu já estava acordado há muito tempo.

O bom desta região na qual o albergue está é que esta é uma área acadêmica: os bairros são chamados de "Akademgorodok" e "Studgorodok", que respectivamente significam "Cidadezinha dos Acadêmicos" (ou seja, universitários) e "Cidadezinha dos Estudantes" (ensinos fundamental e médio). Muita gente jovem no meio da rua e bastante movimento, a despeito do frio. Mas, como me disse uma garota que conheci na rua, "esta temperatura de -10 é agradável. Ao final de janeiro estará fazendo -30". Na hora pensei: que bom e que ruim que não vou estar aqui nesta época...

Algumas coisas são indescritíveis: só vendo fotos pra entendê-las. Uma destas coisas é o caminhar na neve. A sensação é bem diferente do que caminhar na terra firme ou na lama, por exemplo. Não consigo descrever. O som do caminhar também é diferente: se piso na neve compacta, o som é um; se piso na neve que acabou de cair, é outro. Simplesmente indescritível. Outras coisas são bastante diferentes, como ver que o sol, nesta época do ano, não sobe até o meio do céu. Como a cidade está mais para o norte, e devido à inclinação da Terra pelo fato de aqui ser inverno, o sol de meio-dia não passa da altura do sol das 16 h aí no Brasil. Mesmo assim, o sol é vital: percebe-se claramente a diferença de temperatura entre áreas sombreadas e áreas nas quais o sol bate diretamente. Outra coisa bem diferente é ver as árvores peladas, sem nenhuma folha, cobertas de neve. Você pensa que elas estão mortas, secas, e quando tente quebrar um galho percebe que elas estão bem vivas. Não sei como conseguem sobreviver!

E lá fomos nós caminhando, passando por ruas cheias de árvores dos dois lados -- e dos dois lados parece que há uma infinidade de árvores de natal de um lado e de outro, com as árvores cheias de neve ladeando o caminho inteiro... Bastante bonito. Outra coisa legal de ver são as casas antigas da cidade: a base é de pedra, mas as casas são totalmente de madeira. Não é à toa que direto ocorrem incêndios por aqui, como uma outra garota me disse.

De repente me vi em frente a um parque, tipo um "parque da cidade". E lá fui eu andar pelo parque. Até que não estava tão frio. Apenas dois rapazes soltando bombinhas (amanhã é ano novo!) e alguns pouquíssimos transeuntes cortando caminho por dentro do parque. Pra mim é uma visão muito bonita: tudo coberto de neve, e neve em seu estado natural, sem ser pisada pelo ser humano. Fico parado admirando a beleza do lugar, até que passa por mim uma senhora e me diz: "ei, se você ficar aí parado por muito tempo vai congelar. Cuidado com seus pés!" Agradeço e subo em um tronco de árvore pra continuar admirando o local. Hoje posso ficar mais tempo do lado de fora: estou com a malha térmica por baixo e quase não sinto frio. Fotos, fotos e mais fotos.

Saio do parque e vou em direção à ponte, indo para o "lado de lá" da cidade. Mais fotos: da ponte é possível ver a principal estação ferroviária de Irkutsk e seus inúmeros trens que vão para inúmeros lugares. Ao lado o rio Angará perfeitamente visível neste momento: como o sol está "a pino", a névoa já se dissipou e dá pra ver a cidade inteira (quando está frio não dá pra ver muita coisa). Água límpida no rio (ou pelo menos assim parece, já que consigo ver as pedras no fundo do rio), apesar das indústrias rio acima. Cruzo a ponte e dou de cara com uma igreja ortodoxa: fotos e mais fotos, é claro. Resolvi pegar o caminho mais frio pra se caminhar, seguindo a margem do rio, pois queria ir até o monumento ao czar Alexander III. No meio do caminho vejo um monumento para os mortos na Segunda Guerra Mundial e um busto do Gagarin (estou no "Boulevard Gagarin"). Um louco navega pelo rio -- sim, louco, pois apesar do sol e da temperatura "agradável" está nevando e no rio deve ser naturalmente mais frio devido à imensa quantidade de água. Até que finalmente chego ao monumento ao czar Alexander III: a estátua realmente é imponente.

Resolvi seguir para o centro da cidade pela rua Karl Marx, e o primeiro prédio é o Museu Regional (que não visitei, pelo menos não hoje). Em seguida um complexo bastante interessante: um museu, o estádio da cidade e um teatro. Digo "complexo interessante" porque fiquei imaginando: como será o encontro entre os distindos grupos que visitam tais lugares? Coisa da União Soviética, sem dúvida: "integrar todos os povos, todos os grupos..." E assim vamos integrar aqueles que se interessam por cultura com aqueles que se interessam pelo esporte.

Caminhar pela rua Karl Marx é interessante porque há uma série de casas do século XIX: dá pra ter uma idéia da arquitetura do local mais de cem anos atrás. E interessante também pelos contrastes: de um lado casas de madeira, de outro prédios do século XX e uma estátua do (meu querido) Lênin, indicando o caminho a ser seguido. E a neve continua. Enquanto isso, vejo 4 carros -- duas Mercedes, um Hyudai e um Lada -- serem removidos por um guincho -- alguma coisa fizeram de errado. Mas o guincho não é como no Brasil: aqui eles colocam uns cabos nas rodas do carro e o levantam no ar até que o carro esteja em cima do caminhão do guincho. Arriscado, mas interessante. Tudo devidamente fotografado e filmado.

Continuo pela rua Karl Marx: mais prédios antigos, "portões" de gelo e armamentos da Segunda Guerra Mundial em um pequeno museu a céu aberto. Mais casas de madeira, o que é interessante pra mim. Ao final da rua, entro pela parte antiga da cidade, com casas e mais casas todas de madeira: é a parte na qual moravam os "Decembristas", revolucionários que em dezembro de 1825 tentaram dar um golpe de estado para acabar com a monarquia russa e melhorar as condições de vida da população. Muitos dos que não foram mortos vieram parar em Irkutsk: à época, apesar do comércio da cidade com a China e com o Japão e das grandes possibilidades que tal comércio trazia, vir parar aqui era o mesmo que "estar morto".

O passeio termina na Praça Kirov, local no qual há um prédio administrativo, três igrejas -- uma católica e duas ortodoxas -- e a praça propriamente dita, cheia de esculturas no gelo e com uma grande árvore de natal no meio, em frente a um escorregador feito também no gelo e no qual todos -- crianças e adultos, inclusive eu -- se divertem. Atrás do prédio administrativo há o "fogo eterno", tão comum na Rússia, em respeito àqueles que faleceram na Segunda Guerra Mundial.

Nisso já são quase 18 h e o dia já está escuro -- começa a escurecer a partir das 16:30 h. Pensei em voltar para o albergue a pé, mas meu joelho direito já não estava mais dando conta. Então peguei um ônibus e voltei pra cá, morrendo de cansaço e com fome, mas satisfeito por ter visto coisas que meu colega irlandês disse "não existir" aqui na cidade (ver a postagem de ontem pra entender este comentário).

Enquanto estive fora chegou mais um rapaz para ficar no albergue, um alemão. Ele é historiador, e acho que vamos nos dar bem por causa disso. Ele não fala inglês muito bem e, como está na Rússia já há 4 meses fazendo uma pesquisa, só pensa em russo e fala o tempo todo em russo. Acho isso ótimo: vou ter com quem praticar meu russo, que pelo que percebi está meio enferrujado :P Mas imaginem a situação: um brasileiro que não fala alemão conversando com um alemão que não fala português, isso tudo em russo... Vai ser divertido.


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