25 de janeiro de 2007

Sobre livros de Filosofia

É por estas e outras que as pessoas acham que a filosofia é algo inútil.

Como vocês bem sabem, estou lendo o livro intitulado "Temas de filosofia do direito: velhas questões, novos cenários". Olhando-se o sumário, o livro parece ser extremamente interessante: mostra como determinadas questões da filosofia do direito estão sendo vistas neste início de século XXI. Lendo-se a introdução, fica-se mais empolgado ainda com o livro.

No entanto, quando começamos a lê-lo, o livro torna-se cansativo. Anteontem li o primeiro capítulo, que fala sobre a questão da desobediência civil e sobre como a desobediência civil pode (e deve, na visão do autor) ser garantida constitucionalmente. O assunto é interessante, mas o texto não: o autor tem boas idéias sobre o assunto, mas não sabe expô-las de maneira atrativa para o leitor. Modéstia um pouco à parte, até eu, que tenho gosto por este tipo de leitura, achei o texto maçante. Fico imaginando um aluno de primeiro ou segundo semestre do curso de Direito: com certeza, tal aluno acharia o texto um saco, e com razão não iria querer lê-lo.

Hoje li o segundo capítulo. Fala sobre a questão da eficiência: como obter eficiência de uma lei? E, mais ainda, como coordenar a idéia de eficiência com a idéia de moral? Tema extremamente interessante se considerarmos dois pontos um tanto quanto contraditórios, quais sejam: 1) Toda lei deve ser eficiente, no sentido de efetivamente concretizar alguma coisa da melhor maneira possível para o maior número de pessoas possível (senão a todas); 2) Qual é a melhor maneira possível de se fazer algo para o maior número de pessoas possível (senão a todas)? O que eu acho correto pode não ser eficiente, em termos de gestão estatal (gasto de recursos públicos para se atingir um bem comum -- ainda que isto seja impossível). Por outro lado, o que o governo acha eficiente, em uma relação custo x benefício, pode não ser moralmente correto (não apenas pra mim, mas pra muitas pessoas). A autora do capítulo dois trabalha com tais idéias, que considero fundamentais nos dias de hoje na área da filosofia, da política e do direito.

No entanto, tenho certeza de que tais textos seriam vistos como extremamente chatos por alunos do curso de direito. E não é pra menos: ao invés de tratar a coisa de maneira direta, clara e objetiva, os autores acabaram "empolando" demais sua linguagem, transformando o que deveria ser um artigo acadêmico-educativo em um artigo que pode ser bem analisado apenas por aqueles que já são conhecedores do assunto, ou por aqueles que já têm uma boa base sobre os temas. Não houve a preocupação, dos autores, em esmiuçar os temas de modo que qualquer um pudesse ler os textos, compreendê-los e debatê-los. Ao meu ver, uma falha terrível, pois considero que o conhecimento deve ser distribuído a todos da maneira mais aberta possível, de maneira que todos possam compreender o que está sendo dito.

Para expor melhor o que quero dizer, pego aqui emprestadas algumas das idéias de Jörn Rüsen, divulgadas em seu livro Razão histórica. Foi um livro que li quando estava fazendo uma disciplina do doutorado em História na UnB, e que penso seriamente em adotar em todas as minhas disciplinas (por mais que, se eu fizer isto, tenho certeza, surgirão conflitos com os outros professores de metodologia).

Em determinada parte de seu livro, Rüsen destaca o que ele chama de critérios de verdade do pensamento histórico. Tais critérios são necessários para poder distinguir-se a história-“senso comum” da história-“ciência”: apenas quando determinada narrativa histórica atender a tais critérios de verdade poderá então ela ser considerada científica; caso contrário, nada mais será do que um artefato que não deverá ser tratado no âmbito da história, e sim da literatura. Rüsen destaca três pontos que irão verificar se determinada narrativa histórica pode ser considerada científica ou não. São eles: 1) O conteúdo experiencial; 2) A significação; 3) O sentido.

Irei passar direto pelos pontos 1 e 2, pois os mesmos não me interessam para o que quero destacar aqui. O importante é destacar o terceiro ponto, ou seja, a questão do sentido. Se não houver sentido em uma história, ou seja, se sua idéia principal não for claramente expressa, tal narrativa perde sua validade científica. Como o próprio Rüsen (2001, p. 120-1) afirma:

A narrativa histórica torna-se especificamente científica quando obedece a uma regra que imponha ao narrador (historiador) explicitar e fundamentar os critérios (as idéias) que determinam, para ele, a instituição de sentido, as seleções de fatos e significados que se fazem com eles e a síntese entre ambos. Como fator de constituição de sentido, as histórias têm sempre um “fio condutor”. (...) O caráter científico do pensamento histórico depende do modo como esses fios condutores organizam o conhecimento histórico.

Rüsen destaca também o fato de que apenas com a união destes três itens é possível determinar se dada narrativa histórica é científica ou não. Ela não pode apenas apresentar vestígios empíricos; também não pode apenas estar relacionada com os valores e as normas vigentes; ainda, não pode apenas ser apresentada como uma boa história, narrativamente falando. Apenas por meio da união destes três itens será possível definir como científica determinada narrativa, ou seja, apenas quando ela ao mesmo tempo apresentar dados empíricos, possuir significado normativo e valorativo e quando a exposição de suas idéias, ou seja, quando a historiografia, for feita de maneira concatenada, permitindo que o leitor efetivamente compreenda o que está sendo narrado.

Quero destacar a última frase: algo só é considerado científico se o texto for escrito de maneira concatenada, permitindo que o leitor efetivamente compreenda o que está sendo narrado. E a grande maioria dos livros de filosofia não é escrita assim! À exceção, é claro, de manuais básicos, introdutórios, que servem apenas para introduzir o aluno no mundo da filosofia (como o livro Convite à filosofia, de Marilena Chauí), a grande maioria dos livros específicos de filosofia do direito, que tratam de assuntos relevantes para a formação básica de um aluno de direito, são escritos em uma linguagem empolada, a qual não é compreendida pelo aluno do primeiro ou segundo semestre e que não é interessante para a mente já cristalizada do aluno do oitavo ou nono semestre (períodos em que, de maneira geral, a disciplina "Filosofia" é ministrada aos alunos dos cursos de direito, ou no início, ou no fim do curso).

Quer dizer, os próprios autores escrevem textos que são oficialmente direcionados para alunos do curso de direito, mas que na prática são compreensíveis apenas por aqueles que já têm um conhecimento básico sobre o tema. Se tal situação não for mudada, ou seja, se não se escreverem livros sérios sobre o assunto, mas com linguagem acessível, a filosofia continuará sendo vista como algo "inútil", que não serve pra nada, muito bem caracterizada por aquela situação em que alguém começa a falar demais e os outros já dizem "fulano tá filosofando". A filosofia é extremamente interessante e importante, não apenas para alunos do curso de direito, mas para todo e qualquer mortal, pois ensina a pensar. Faz "só" isso. Mas, repito, enquanto os livros e textos filosóficos forem escritos para os já "iniciados", a filosofia continuará sendo uma disciplina à parte, isolada, envolta em um mistério que impede que os outros a conheçam a fundo. Enquanto iniciativas tais como a de Jostein Gaarder, que escreveu O mundo de Sofia, ou a de Eduardo Bittar, com seu Curso de filosofia do direito, forem iniciativas pontuais, e não disseminadas no mercado editorial, a filosofia continuará sendo vista como algo "estranho" ao ser humano -- quando, na verdade, ela é intrínseca a todos nós. E depois reclamam que os alunos não se interessam pela leitura!


Um comentário:

Anônimo disse...

Epa! Como há postagens para eu ler por aqui! Até tinha esqueçido :)
Mas Gostei! Blog bastante cultural, filosofico... ta aprendendo heim Chu! :P

Então beijos no seu sorriso! :)

Ps: Várias "caras" uma ova! Eu sou a mesma Kamila em todas e o estranho e que você tambem tem o cadastro na maioria (que eu saiba)e fica ai enchendo linguiça, deixe-me ver se lembro: orkut, uolk, hi5, msn, yahoo... duvido que não tenha o wayn e o ICQ!

Tambem te Adoro Chu, e o "chato" e que tu sabe!