10 de abril de 2007

Irã deveria erguer monumento a George W. Bush

Por William Waack (Âncora do "Jornal da Globo" e do "Globo News Painel", foi correspondente internacional por 21 anos)

No quarto aniversário da derrubada da estátua de Saddam Hussein nesta segunda (9) em Bagdá, quem deveria erguer um monumento é o Irã: a George W. Bush. Americanos e iraquianos não comemoraram a efeméride. Cada vez menos americanos apóiam a guerra e cada vez mais iraquianos protestam contra os americanos. Na região, só o Irã está mais poderoso, mais confiante e mais disposto a exercer sua crescente auto-confiança.

Talvez seja apenas coincidência o fato do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ter escolhido o quarto aniversário da queda de Saddam para anunciar que seu país teria chegado ao estágio de produção industrial de urânio enriquecido. Conhecendo-se a ânsia com que Ahmadinejad procura holofotes, é melhor duvidar de uma coincidência. É bom duvidar também que a tal capacidade industrial de enriquecimento de urânio tenha sido atingida, mas essa é outra história.

No Iraque, a queda de Saddam foi lembrada com a maior manifestação organizada contra os americanos desde a invasão, há quatro anos. Milhares de pessoas tomaram as ruas de Najaf - o principal centro religioso, em volta da tumba do Imam Ali e do cemitério à sua sombra - para protestar contra os Estados Unidos. A manifestação foi convocada e dirigida pela imensa organização política e militar comandada por um clérigo radical xiita, Moktada al Sadr.

Ele é um pesadelo para os americanos. O nome de seu pai, um respeitado aiatolá assassinado a mando de Saddam, batizou o principal bairro xiita de Bagdá, Sadr City, uma gigantesca favela com 2 milhões de habitantes. Quem toma conta de Sadr City é o Exército Mahdi, uma milícia que já enfrentou tropas americanas em pelo menos duas ocasiões anteriores - em uma delas, em Najaf, em 2004, em confronto que só terminou com a intervenção do velho aiatolá al Sistani, que nasceu no Irã.

Sadr é um jovem ambicioso. Detém uma bancada importante no Parlamento iraquiano. Seu apoio político (e, comenta-se, também militar) é essencial para o primeiro ministro iraquiano, um político xiita que os americanos já acusaram várias vezes de tolerar esquadrões da morte que operam contra sunitas iraquianos. Há versões bastante controvertidas sobre a verdadeira autoridade de Sadr sobre as milícias Mahdi, sobre suas verdadeiras ligações com o Irã (neste momento ele estaria escondido por lá), sobre seus planos políticos (instaurar uma república islâmica depois de expulsar americanos e liquidar sunitas e curdos).

O que parece razoavelmente seguro de se afirmar, no quarto aniversário da queda de Saddam, é que os americanos estão tão longe de "estabilizar" o país quanto de determinar qualquer futuro político para o Iraque. Os combates nos quais milicianos do exército Mahdi se envolvem nestes dias ao Sul de Bagdá envolvem tropas curdas trazidas do Norte para ajudar os americanos a "acalmar" a capital - a derradeira jogada de Bush para tentar criar uma janela que ganhe tempo e permita a retirada das tropas ainda antes das próximas eleições.

Mais ainda: o episódio da captura dos 15 militares britânicos por iranianos, em águas do Golfo Pérsico, deu nova evidência ao envolvimento do Irã na guerra do Iraque. É difícil negar a interferência iraniana: quase não há controles na longa fronteira entre os dois países, mas é errado acreditar na versão simplista americana de que insurgentes iraquianos são financiados, armados e dirigidos por iranianos.

Na verdade, iranianos e iraquianos há séculos mantém um contato bastante estreito, baseado principalmente no fato de que todo xiita, se pudesse realizar o desejo, gostaria de ser enterrado à sombra do Imam Ali em Najaf. É comum encontrar iranianos rezando em Najaf e iraquianos rezando em Khom, a grande capital "teológica" dos xiitas no Irã. A interrupção desses contatos deflagrada por um Saddam foi apenas breve, em termos históricos.

Faltou aos americanos a compreensão do significado mais abrangente de religião e laços culturais para entender o que acontece naquele pedaço do Iraque - e que permitiu que árabes e iranianos, tradicionais adversários, pudessem estabelecer laços duradouros. A curto prazo - prazo de quatro anos - o principal erro americano foi a dupla dissolução do Exército iraquiano e do Partido Baath, dois dos principais fundamentos do Estado iraquiano.

Quatro anos depois da derrubada da estátua do ditador, o Iraque é um prato cheio para quem estuda instituições políticas e o papel do Estado na formação de nações. Com o perdão do cinismo, particularmente diante do banho de sangue (que mal começou), historiadores, sociólogos e cientistas políticos também deveriam erguer um monumento a George W. Bush. É difícil encontrar na História outros "experimentos" recentes nos quais tudo o que se previu que daria errado, aconteceu.

E em tão pouco tempo.


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